quarta-feira, 25 de novembro de 2020

o primo do escritor


Hoje 175 anos de nascimento de Eça de Queiroz. O primo Basílio, seu quarto livro, publicado em 1878, é um clássico romance sobre o adultério e a condição feminina, um exemplar do realismo da literatura portuguesa. O escritor que já abalara três anos antes a moralidade da Igreja Católica no polêmico O crime do padre Amaro, dessa vez dirige seus dardos certeiros para as mazelas da família burguesa urbana, com uma análise ferrenha, focando com elegância literária, mas sem comedimentos na representação, os ridículos de uma classe média alta e proporcionalmente dissimulada. O personagem-título é uma espécie de dândi cínico e pedante, que mantém o estilo de vida aristocrático, mas decadente.

A precisão cirúrgica com que o escritor disseca os costumes, absurdos e contradições dos personagens da sociedade lisboeta, revela que o universo mesquinho e protótipo de futilidade reverbera-se muito além da geografia e do tempo. Nunca um romance teve seus aplicativos tão atualizados ao olharmos em volta o mundo em que vivemos, ladeira abaixo de hipocrisias.
Contemporâneos, Eça de Queiroz e Machado de Assis admiravam-se. Foi do escritor brasileiro a primeira crítica a O primo Basílio, apreciação que já fizera quando lançara O crime do Padre Amaro. A repercussão da ampla análise de Machado praticamente tornou o romancista português bastante conhecido no Brasil. Eça de Queiroz escreveu-lhe agradecendo, mesmo discordando de alguns pontos em que ataca a escola realista.
Também jornalista e diplomata, em 1872 Eça de Queiroz exerceu seu primeiro posto consular em Cuba, na época colônia espanhola, onde deparou-se com uma situação de escravatura. Nos relatórios que enviou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, o escritor relata as condições infra-humanas que os chineses, vindos de Macau, tinham nas plantações de açúcar.
Ali da ilha viaja para New York, onde passou seis meses. Suas atividades diplomáticas na verdade tinham também outras motivações: namorou simultaneamente duas norte-americanas que conhecera no consulado em Havana, uma delas, Anna Conover, casada. Subiu até o Canadá para não complicar “turbulentos episódios sentimentais”, como escreve A. Gomes de Matos em Eça de Queiroz – uma fotobiografia: vida e obra, 2007. Nesse período na fria Toronto, o galante Eça de Queiroz visita o estúdio do famoso fotógrafo William Notman e faz uma de suas pouco conhecidas fotos, que ilustra abaixo esta postagem, de 1873.
No ano seguinte, considerando concluídos seus trabalhos no continente, o escritor parte para Newcastle, a 450 quilômetros ao norte de Londres, onde assume o posto diplomático e reencontra uma de suas namoradas dos Estados Unidos, a solteira Mollie Bidwell, que pegou um vapor em New York e aportou nas margens do rio Tyne para vê-lo. Ficaram noivos, mas romperam a união antes ser transferido para o consulado em Bristol.
Foi em Newcastle, entre pareceres e relatórios, que Eça de Queiroz escreveu O primo Basílio. Sabe-se lá se também inspirado pelo caso a três que “turbulentos episódios sentimentais” viveu seu coração em terras norte-americanas.
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Texto para o meu livro em preparação Crônicas do Olhar, com adaptações para esta postagem.

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