quinta-feira, 12 de setembro de 2019

lugar bonito

foto Bob Wolfeson
"Na minha memória - tão congestionada - e no meu coração - tão cheio de marcas e poços - você ocupa um dos lugares mais bonitos."
Trecho de uma carta que Caio Fernando Abreu escreveu a um amigo, em 12 de janeiro de 1982, e está no livro O que importa em Oracy, organizado por Fátima Friedriczewski, Froilan Oliveira e Júlio Prates, 2003.
De tantos fragmentos que se destacam em sua vasta literatura, esse toca pela concisão poética e pela lucidez e racionalidade ao mesmo tempo.
O autor gaúcho, que escreveu livros de contos, novelas, romances, peças de teatro, traduções (é dele a versão do clássico A Arte da Guerra, de Sun Tzu), tinha exatamente esse laconismo e exatidão na escrita, sem necessariamente ser minimalista. Usava as palavras no espaço certo, sem precisar se estender em sinônimos para total compreensão.
Viveu em período brabo de ditadura militar, foi um dos primeiros a escrever abertamente sobre sexo numa visão dramática, e assumiu sem rodeios sua homossexualidade. Hoje, quando faria 71 anos, com certeza estaria com o coração marcado, congestionado de indignação pela nuvem de obscurantismo em pleno século 21.
O escritor se foi com apenas 47 anos, e ocupa um lugar bonito em nossa lembrança, na literatura brasileira. Onde estiver.

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