segunda-feira, 30 de setembro de 2019

juventude


68th St, New York City, 1954, foto de Roy Schatt

Ah, você se lembra, James Dean
algumas coisas vão ser sempre assim
duram a vida toda
e a gente carrega nos ombros
por um caminho sem fim

Um gosto amargo
que fica daquele momento
que a gente não viveu
de tudo que a gente lembra que perdeu
e nunca mais vai achar
porque o filme tem hora pra acabar

Ah, James Dean
por que levo o amor
tão sério assim
se era pra ser leve e não ruim
ou mesmo um sonho vão
e não esse aperto no coração

Ah, James Dean,
algumas coisas vão ser sempre assim.

James Dean, de Mona Gadelha, musicado por Ricardo Augusto, gravado no sétimo disco da cantora e compositora cearense, Cidade blues rock nas ruas, 2013.
A canção é um dos mais belos tributos sobre a beleza, a dor e a eternidade da juventude do ator que, hoje, há 64 anos não morreu.

conheço o meu lugar

Em 1984, o cantor e compositor Belchior foi convidado para o programa Som Brasil, da Rede Globo, exibido na última sexta-feira de cada mês.
Criado e apresentado por Rolando Boldrin, com o objetivo de divulgar para o país a importância da música regional brasileira, naquele ano até 1989, o programa passou a ser apresentado por Lima Duarte. Boldrin se desentendeu com a direção da emissora, por questão de horário, e o Som Brasil passou a inserir números com artistas urbanos, sem alterar na mistura as características originais.
Belchior tinha lançado no começo da década três LPs, Objeto direto (1980), Paraíso (1982) e Cenas do próximo capítulo (1984). Mas foi uma canção inédita que ele cantou que marcou sua apresentação: Princesa do meu lugar. De uma singular beleza poética campesina no vasto repertório do compositor cearense, nunca foi gravada em disco por ele.
Segundo o cantor e compositor Jorge Mello, seu parceiro e sócio na gravadora Paraíso Discos, em conversa recente comigo, disse que “há uma gravação de estúdio de Belchior dessa canção. Mas nunca foi publicada. Na realidade, tenho várias gravações de estúdio do Belchior em que ele interpreta canções que nunca foram aproveitadas em seus próprios álbuns. Eram sobras ou excessos de produção. Quando produzi álbuns meus e de outros artistas, sempre gravava nos estúdios uma ou duas canções a mais para ter opções na montagem final do álbum. Esse acesso era aproveitado em álbuns posteriores ou em compactos simples do artista ou ainda em álbuns de coletâneas. E algumas dessas gravações nunca foram aproveitadas. Então são sobras de produção.”
Em 1980, a cantora pernambucana Guadalupe lançou o seu LP de estreia, Princesa do meu lugar, pela RCA. A faixa-titulo no lado A é, até onde pesquisei, o primeiro registro em disco da composição de Belchior.
Divina Comédia Humana, ótimo disco de produção independente da cantora cearense Lúcia Menezes, de 1991, apresenta doze faixas, oito composições de Belchior e quatro de Raimundo Fagner. Dessa lista de músicas já tocadas nas rádios, a cantora incluiu a desconhecida canção do conterrâneo.
A terceira e quarta gravações são mais recentes, de 2017, em dois belíssimos álbuns tributos ao cantor: Amelinha em De primeira grandeza – As canções de Belchior, e a jovem cantora niteroiense Daíra, em seu disco Amar e mudar as coisas. Em entrevista no final do ano passado a Rolando Boldrin, no agora programa Sr. Brasil, da TV Cultura, a cantora disse que descobriu a canção justamente no antigo Som Brasil.
Hoje, dois anos e cinco meses que Belchior ficou encantado com uma nova invenção, a lembrança em vídeo do que em vinil não ficou.
Aos violões, Jorge Mello e Sérgio Żurawski.

domingo, 29 de setembro de 2019

suave parceria

Suave na nave, de Parahyba de Medeiros e Nirton Venancio.
Com Parahyba e Cia.Bate Palmas! Imagens Bete Augusta 

sei escrever o teu nome na ponta fina do lápis *

Nós que o amamos tanto, é que tiramos chapéu pra você, caro amigo Rodger Rogério.
* verso de Ponta do Lápis, de Clodo Ferreira e Rodger, gravada em compacto simples por Ney Matogrosso e Fagner, 1975, Continental.

reincidente



Ele diz no poema Caso de jornal que "a poesia morreu / deu nos jornais em 1918 / críticos e legistas atestaram o óbito / / de lá para cá muitos poetas / ainda de luto / publicam seus livros"
Renato Pessoa é um dos grandes poetas de uma nova geração da literatura cearense, das letras brasileiras. Reflexivamente provocadora, liricamente incômoda, sua poesia é caso de jornal, diariamente resistente.
De "luto" e na luta, Renato comete o delito de continuar publicando seus livros.
O homem do último dia do mundo é seu quinto livro, 2017, editado por Silas Falcão, da Luazul Edições.

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sábado, 28 de setembro de 2019

armadura (trecho)

Meu corpo é a única coisa que tenho
para carregar o pretexto da alma.
É magro, feio e escandaloso
o corpo
mas é única coisa que tenho

para caminhar pelo tempo e pelos sertões.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

imagem e texto

Conceitos e estratégias sobre cinema e literatura, análise das semelhanças e diferenças entre o texto e a imagem, a construção do roteiro na adaptação para a linguagem audiovisual.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

somos todos Fernanda

"A Associação dos Produtores de Teatro (APTR) repudia veementemente as declarações do diretor de Artes Cênicas da Funarte, Sr. Roberto Alvim, em suas redes sociais, onde classifica o não diálogo com a classe artística como uma 'guerra irrevogável'.
Com a mesma intensidade, repudiamos a classificação da fala de dona Fernanda Montenegro como infantil, mentirosa e canalha. É absolutamente inadmissível que uma atriz com a sua trajetória seja atacada em seu livre exercício de expressão.
Desde que o mundo é mundo, as identidades de todos os povos são construídas através de símbolos, plenos de significados, originando histórias transmitidas de geração em geração. Por este motivo, quando o objetivo é destruir algo, o alvo é sempre o sagrado, o simbólico ou aquilo de maior valor afetivo.
Como cidadão, o Sr. Roberto Alvim pode expressar opinião, independentemente do campo social, cultural e ideológico. Já como gestor público de relevância nacional – ou seja, representando o país como um todo – o mesmo deveria atentar-se à natureza do seu cargo, pautando-se pelo respeito à classe que representa e aos profissionais consagrados por sua atuação.
Cuidar da cultura como um importante setor para a economia e a formação de um país trata-se de um exercício diário, ético e respeitoso. O mesmo se aplica ao cuidado que deveria ser adotado ao se referir a uma atriz como Fernanda Montenegro, um símbolo da identidade nacional, com reconhecimento em todo o mundo.
Persistiremos na busca pelo diálogo, pela liberdade de expressão, pelo afeto ao fazer artístico e cultural de nosso país. Tudo isso de forma civilizada e com total respeito à diversidade."

ontem como hoje

Repostando, atualizando o aplicativo:
Colbert - Para arranjar dinheiro, há um momento em que enganar o contribuinte já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço.
Mazarino - Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas e não consegue honrá-las, vai parar na prisão. Mas o Estado é diferente! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se. Todos os Estados o fazem!
Colbert - Ah, sim? Mas como faremos isso, se já criamos todos os impostos imagináveis?
Mazarino - Criando outros.
Colbert - Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.
Mazarino - Sim, é impossível.
Colbert - E sobre os ricos?
Mazarino - E os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta, faz viver centenas de pobres.
Colbert - Então, como faremos?
Mazarino - Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável... É a classe média!
Diálogo da peça Le diable rouge, escrita em 2008 pelo francês Antoine Rault, um dos mais importantes dramaturgos do teatro contemporâneo.
Ambientada no reinado de Luís XIV, em meados do século XVIII, a peça é de uma atualidade impressionante. Incômoda, oportuna, reflexiva.
Qualquer semelhança com estes tempos sombrios, no Ano I da Era Tosca, página infeliz de nossa história, não é mera coincidência.
Acima, The Money Changers/Los cambistas, 1548, óleo sobre tela do holandês Marinus van Reymerswaele, exposto no Bilbao Fine Arts Museum, Espanha.

domingo, 22 de setembro de 2019

eu fico com a pureza das crianças...

para a menina Ágatha Vitória Sales Félix, 8 anos
Gonzaguinha faria hoje 74 anos.
Um dos mais fortes contestadores do regime militar, o cantor tem em sua obra o exemplo de resistência e poética nas canções.
Nestes tempos temerosos, sombrios, fascistas, com certeza ele bradaria "a gente quer viver numa nação / a gente quer é ser um cidadão".

sábado, 21 de setembro de 2019

MonaMusa

Mona Gadelha, cantora, compositora, jornalista. A história do rock, do blues e das canções cearenses não passa por ela: está nela. Nos anos 70, 80, as emoções perigosas de quem fazia música na contramão dos bons costumes do lugar, tinham em Mona a postura, o comportamento feminino de quem pinta com talento, coragem e beleza, a cor do sonho que a música nos traz.
E muito merecidamente, como referência e reverência, Mona foi convidada por um grupo de mulheres gente jovem reunida para inaugurar, hoje, o palco que leva seu nome na Casa Pagu Fest, um novo espaço da cena musical cearense, do divertimento das noites, no sintomático e pulsante bairro Benfica, em Fortaleza.
Esse encontro orgânico no mesmo chão da alegria de Mona Gadelha e Pagu é uma dessas tramas que o universo propicia: musas modernistas na música, na escrita, nas posições políticas e feministas, na reinvenção dos costumes, na costumização da ousadia, na diversidade de pensamento e gênero, nesse gesto antropofágico de resistência na via contrária da caretice institucionalizada.
Cantamos e dançamos com vocês, Mona e Pagu.
Ninguém larga o sonho de ninguém!

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

na ciranda dos encontros

As noites e algumas tardes do fim de semana, alguns bares de Fortaleza são embalados pelo som analógico, mas orgânico, de LPs, sob a regência simpática e interativa de Alan Morais. São canções brasileiras e em todas as línguas em que a música se identifica pela qualidade, por uma época em nossa memória afetiva.
As abaeterças do Abaete Bt, Bolacha Mágica Music Bar, Embaixada da Cachaça, Cantinho do Frango, Serpentina Bar e Cultura, são alguns desses locais onde Alan Morais chega com sua pickup mesa de som e caixas de vinis para as apresentações, criando um ambiente de alegria – um sentimento de resistência neste e em todos os tempos sombrios.
Mais do que saudosismo, ou uma apressada rotulação do modismo “vintage”, Alan põe para tocar seus bolachões como reconhecimento de uma boa música que se torna atemporal por suas características. O mesmo faz nas noites fortalezenses o DJ Március Fish, em atuações empolgantes na Culinária da Van, além de outras frentes na capital, onde diversão e encontros associam-se a uma cultura de consistência em todas as gerações.
Alan Morais, além de um grande conhecedor de música, é o criador do Bloco Sanatório Geral, uma experiência bem-sucedida, no bairro Benfica, dos pré-carnavais, mostrando à cidade uma festa genuinamente momina, ao contrário de uma folia vazia e mercantilista dos “carnavais” uniformizados de abadás e música de qualidade extremamente equivocada, uma folia fora de época, lógica e afeto.
Lançado em 2007, o Sanatório Geral marcou não somente os ladrilhos históricos do bairro Gentilândia, também espalhou-se como um evento consistente no calendário festivo de Fortaleza, chegando a lançar dois discos, em 2007 e 2014, mais que proposital, naturalmente em formato de long-play, e o último também em CD, ambos com composições, vocais, direção musical e arranjos de Alan Morais.
O Sanatório Geral, como um bloco que abria o período de carnaval, manteve-se por recursos próprios, sem o apoio, reconhecimento e sensibilidade dos poderes gestores municipal e estadual. Sem condições de continuidade, o bloco não recolheu sua alegria, mas manteve o seu silêncio expressivo como um alerta, uma notificação aos que podem patrocinar e assegurar uma expressão cultural popular e não o fazem.
Somando-se às noites com seus vinis, Alan Morais é um excelente compositor, parceiro de vários autores da música e literatura, como Alexandre Lima Sousa, Silvio Gurjão, Ricardo Kelmer, Pantico Rocha, Eugênio Leandro, Moacir Bedê... É um sanatório que continua na geral com seus admiráveis loucos pela arte.
Em novembro próximo Alan Morais lança o EP Ciranda dos Encontros, um título adequado que grifa essa parceria em cinco faixas, uma travessia que, pela qualidade de suas composições, marca lugar na cena musical cearense.
Som nas caixas, DJ!

terça-feira, 17 de setembro de 2019

a cumplicidade dos filmes

"Os filmes não existem só ali, na tela, no instante de sua projeção. Eles se mesclam às nossas vidas, influem na nossa maneira de ver o mundo, consolidam afetos, estreitam laços, tecem cumplicidades."
Jean-Claude Carrière, o mestre roteirista da escrita contemporânea, em seu ótimo livro A linguagem secreta do cinema, 1994, aos 88 anos hoje de cumplicidade com a vida.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

com sangue nas veias

“Na Porto Alegre dos anos 30, um rapaz era noivo da mulata Inah e, apesar de apaixonado por ela, hesitava em trocar a boemia pelo casamento. Inah esperou três anos. Quando se convenceu que o rapaz não tomaria uma atitude, foi à luta. Dias depois, ele a viu na rua da Praia, pendurada no braço de um homem – com quem se casaria. O rapaz desesperou-se, teve ganas de matar ou morrer. Mas acalmou-se e fez do sofrimento um samba-canção.”
- Ruy Castro em A noite do meu bem, publicado em 2015
O rapaz de menos de vinte anos era Lupicínio Rodrigues, e Nervos de aço o samba-canção que narrava a sua primeira grande desilusão, o seu desejo de morte ou de dor.
Gravado somente em 1947, na voz de Francisco Alves, se tornou um clássico no repertório não somente do autor, como na história do cancioneiro brasileiro.
O compositor construiu sua obra com mais de 150 canções, sempre relatando paixões, abandonos, casos e desapontamentos seus na maioria, e também dos amigos da boemia, como um cronista musical dos desencantos amorosos.
Lupicínio criou o termo “dor-de-cotovelo”, como o tipo de música que define os amantes bebendo suas dores com os braços apoiados em um balcão de bar.
Há outras ótimas interpretações da emblemática Nervos de aço, como a de Jamelão, gravada no disco Jamelão interpreta Lupicínio Rodrigues, em 1972.
A canção ficou mais conhecida para as novas gerações com a versão de Paulinho da Viola, com a faixa-título do LP lançado em 1973.
Hoje é aniversário de nascimento de Lupicínio, 105 anos. Acima o mestre pelo traço de outro mestre: o cartunista e jornalista paraense J.Bosco.

sábado, 14 de setembro de 2019

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

arqueologia dos afetos

Numa tarde de um dia qualquer, mas especial, do comecinho dos anos 80, em Fortaleza, o meu amigo compositor Ricardo Augusto entra na sala de audiovisual da Centro de Referência Cultural, da Secretaria de Cultura, onde eu trabalhava, com um violão e o cantor Lucio Ricardo. O órgão estadual ficava nos andares da Biblioteca Pública Menezes Pimentel, hoje integrada arquitetonicamente ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

De um janelão, eu via os históricos galpões da antiga área portuária, o centenário prédio da Alfândega (hoje Caixa Cultural)... Meus olhos de planador sobrevoavam os telhados, chegavam à praia de Iracema e se perdiam no mar... Assim, os primeiros versos do meu poema Ventania foram paridos nessa brisa vespertina.

Passei meses com os rascunhos no bolso, sempre mexendo quando alguma palavra precisava ser tirada, alguma pontuação precisava melhorar o ritmo da leitura. Convivendo com o poema antes de escrevê-lo, como ensinava Drummond. Finalizado, foi publicado no meu primeiro livro, Roteiro dos pássaros. E nele Ricardo Augusto leu, e musicou, num dos mais belos e gratificantes encontros de verso e melodia. Cantou para mim com sua voz de Beto Guedes em Albey Road e me desmanchei em alegria. Não sou letrista, e o poema se fez canção.

Pois naquela tarde Ricardo adentra a sala com Lucio Ricardo para gravar a composição. Ele, o bandleader de voz única da lendária banda de blues e rock Perfume Azul, que eu “perseguia” na adolescência nos shows na década de 70. E de forma empolgante e artesanal, gravamos num dinossáurico AKAI, em fita de rolo BASF, ¼ de polegada, um canal, Lucio cantando Ventania e Ricardo ao violão.

Em 2013, a cantora Mona Gadelha grava a música em seu disco Cidade blues rock nas ruas, num arranjo coletivo belíssimo de estúdio, com a produção de Alexandre Fontanetti. Ela, a minha musa do blues e da cor dos meus sonhos, que eu “perseguia” nos shows do IBEU e da arena da CREDIMUS.

Como se não bastasse a versão blues-standard-banquinho-e-violão de Lúcio Ricardo, Mona me presenteia com sua interpretação visceralmente mergulhada na letra e melodia, sua voz desenhando meu canto feminino sobre o mar.

O poema é uma tentativa de reflexão existencial, tão comum, e necessária, na inquietação e perplexidade que inspiram os poetas em seus primeiros rabiscos. Ricardo Augusto vestiu com melodia uma letra sem rima, que se destinava ali mesmo na limitação de um poema num livro. Lucio Ricardo e Mona Gadelha despiram a alma do poema com suas interpretações únicas.

E assim se marcam os encontros que o universo trama, cristalizam os afetos que “estendem os braços / como se fossem mágicos”, como digo em um verso.

No ano de lançamento do disco de Mona Gadelha, o cineasta Valdo Siqueira concebeu e dirigiu o clipe de Ventania (já postado aqui, https://youtu.be/dl0AzBBaxIk). E mais uma vez, como se não bastassem Ricardo, Lúcio e Mona, o cinema, que é igualmente minha praia lírica, dá mais um corpo a um poema-que-se-tornou-música-imagem. Valdo, como um Dziga Vertov na praia de Sabiaguaba, expressa com sua câmera a sinestesia dos versos que “atravessam o mar / como se fossem pássaros”.

O músico Kildare Rios posta nesta manhã de sexta-feira, em seu canal no Youtube, o clipe da gravação do neolítico áudio de Lúcio Ricardo, criando e mixando afetuosamente em estúdio os arranjos, colando digitalmente imagens que ele vê na letra. E assim, mais uma vez, como se não bastassem Ricardo, Lúcio, Mona e Valdo, Kildare dá um corpo carinhosamente singelo de um poema que nunca pensou em ser canção.

A ventania ficou calmaria nos corações entrelaçados.

Gratidão a vocês.

quando eu me chamar saudade

foto © Vania Toledo
"Eu só vou fazer sucesso depois de morto", disse o 'nego dito' Itamar Assumpção ao baixista e amigo Paulo Lepetit nos anos 70.
Um dos maiores compositores brasileiros e um dos mais representativos nomes da cena alternativa da música paulistana, Itamar se foi em 2003, aos 53 anos.
Parceiro em várias composições com Alice Ruiz, Carlos Careqa, Luiz Tatit, Ademir Assunção, Ná Ozzetti, Bocato, Paulo Leminski, Vange Milliet, Arrigo Barnabe, Vânia Bastos, Tata Fernandes, e tantos outros, deixou uma ótima discografia com nove álbuns e três lançamentos póstumos, um deles gravado pouco antes de sua morte, com Naná Vasconcelos, que tem o sintomático título "Isso vai dar repercussão".
Hoje 70 anos de seu nascimento.
foto © Vania Toledo

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

lugar bonito

foto Bob Wolfeson
"Na minha memória - tão congestionada - e no meu coração - tão cheio de marcas e poços - você ocupa um dos lugares mais bonitos."
Trecho de uma carta que Caio Fernando Abreu escreveu a um amigo, em 12 de janeiro de 1982, e está no livro O que importa em Oracy, organizado por Fátima Friedriczewski, Froilan Oliveira e Júlio Prates, 2003.
De tantos fragmentos que se destacam em sua vasta literatura, esse toca pela concisão poética e pela lucidez e racionalidade ao mesmo tempo.
O autor gaúcho, que escreveu livros de contos, novelas, romances, peças de teatro, traduções (é dele a versão do clássico A Arte da Guerra, de Sun Tzu), tinha exatamente esse laconismo e exatidão na escrita, sem necessariamente ser minimalista. Usava as palavras no espaço certo, sem precisar se estender em sinônimos para total compreensão.
Viveu em período brabo de ditadura militar, foi um dos primeiros a escrever abertamente sobre sexo numa visão dramática, e assumiu sem rodeios sua homossexualidade. Hoje, quando faria 71 anos, com certeza estaria com o coração marcado, congestionado de indignação pela nuvem de obscurantismo em pleno século 21.
O escritor se foi com apenas 47 anos, e ocupa um lugar bonito em nossa lembrança, na literatura brasileira. Onde estiver.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

outro 11 de setembro

Hoje, 46 anos do assassinato de Salvador Allende, no Palácio de La Moneda cercado e bombardeado pelas tropas do fascista Augusto Pinochet, com apoio total do governo norte-americano, sob os aplausos de Nixon.
A data é um marco no terrorismo de Estado.

depende


terça-feira, 10 de setembro de 2019

pessoal e intransferível

“Esta manhã, ao dispor numa de minhas estantes, neste gabinete, uma fileira de velhos livros devolvidos pelo encadernador, lembrei-me de uma frase de Álvaro Moreyra, num de nossos últimos encontros na Academia:
- Pior do que ter saudade é não ter do que ter saudade.
E é verdade. A saudade é também um patrimônio que se acumula na memória para as horas de solidão. Não pesa. Não ocupa espaço. E é de uso privativo. As melhores saudades são aquelas a que está associada a pessoa amada. Pedem silêncio. Silêncio de nós mesmos. E silêncio à nossa volta.”
- Josué Montello em Diário da tarde, 1998, segundo volume da trilogia Diário completo. No livro, que abrange o período de 1957 a 1967, o escritor maranhense discorre com uma escrita prazerosa acontecimentos que viveu, além de, entre pensamentos e reflexões, narrar breves peculiaridades de amigos e escritores.

sábado, 7 de setembro de 2019

7 de setembro


a que ponto chegamos

"A que ponto chegamos, um beijo causar mais furor e indignação de que um negro ser chicoteado, cristão fazer apologia a armas e idolatrar torturadores, perdas de direitos trabalhistas."
- Ògan Luiz Alves, fotógrafo, Brasília-DF

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

um monte de bixo réi

Duas Doses de Música e os Tiragosto é uma banda da nova geração de talentos da música cearense. Com repertório autoral, as composições apresentam uma mistura de ritmos regionais e urbanos, com influências de reggae, maracatu, carimbó, baião, e um encontro com o rock e o blues.
A ideia da banda surgiu da parceria dos vocalistas Samuel Brandão e Adelrui, que assinam boa parte do repertório, com reflexões sobre a vida, o amor, a dor, questões sociais, sempre em narrativas bem-humoradas, com expressões locais, como a letra da música mais conhecida (título desta postagem), um reggae-xote contagiante nas apresentações em Fortaleza, faixa de abertura do EP lançado recentemente

domingo, 1 de setembro de 2019

"revogadas as disposições em contrário"

Em 1º de setembro de 1969 foi assinado Ato Institucional Nº 12, que colocava os ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica em nome do Presidente da República, Costa e Silva, temporariamente impedido do exercício de suas funções por motivo de saúde. Ou seja, substituíram um por três como seis por meia dúzia.
No mesmo dia foi ao ar a primeira edição do famigerado Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, com os âncoras Cid Moreira e Hilton Gomes.
Há 50 anos sempre teve tudo a ver.