sábado, 30 de agosto de 2025

o Fellini de Veríssimo


Foto: Eduardo Nicolau. Desenho: Mino Maccari


Entre dezenas de livros de Luis Fernando Verissimo, de crônicas, contos, novelas, romances, relatos de viagens, cartoons e quadrinhos, vou intencionalmente ao Banquete com os deuses, um saboroso conjunto de textos que tem o subtítulo de Cinema, literatura, música e outras artes, publicado pela Editora Objetiva, em 2003.
Esse livro tem uma particularidade em minha vida: foi lançado no mesmo ano em que minha filha nasceu. Eu curtia a felicidade diária da segunda paternidade e me deliciava com mais de 70 crônicas em que o autor dissertava minhas paixões por cinema, literatura e música.
Veríssimo embalava o meu deslumbramento pela magia de filmes e cineastas de minha predileção, de títulos e poetas que me guiaram, de músicas e compositores que me marcaram. Os textos sublinhavam descobertas, referências e construção na minha vida artística.
E assim, enquanto Veríssimo me embalava, eu acalentava o sono de minha filha. Leitura e pureza. Vida e vida.
Destaco, legendando meu fascínio, trechos da crônica Fellini, página 25:
“A paisagem italiana emoldura as poses de seus artistas e reflete suas caretas com cândida cumplicidade”.
“Fellini é mais italiano dos diretores italianos. E o mais divertido”.
“Fellini não filma fora da Itália porque sabe que um minuto longe do espelho arruinaria sua imagem”.
“O que interessa a ele é a superfície dócil, a seu serviço, a maneira como o jogo de luz e sombra contra aquela parede romana realça o seu perfil, ou como a fotogênica solidão desta rua provinciana evoca um seu estado de espírito na adolescência”.
“Quase todos os filmes de Fellini têm cenas de furor místico, filmadas invariavelmente com brio e ânimo vingativo. A procissão em A estrada da vida. A visita ao santo milagroso de Cabiria e seus amigos. As sessões com os espíritos de Julieta. A romaria ao local da aparição em A doce vida.
“Já houve angústia existencial mais fotogênica, mais glamourosa, mais atraente do que a de Marcello Mastroianni em A doce vida e Oito e meio?
“O cinema é a arte dos sentidos. Não do intelecto”.
Luis Fernando Veríssimo partiu na madrugada deste sábado, aos 88 anos. Dois algarismos que agora deitados simbolizam o infinito duplicado em obra e genialidade.
Minha filha hoje se fascina com literatura e cinema, Veríssimo e Fellini. A arte e seus sentidos na simetria da vida. 

domingo, 17 de agosto de 2025

teorema de um grande ator


O ator Terence Stamp faleceu hoje aos 87 anos. Tento agora escrever sobre qual personagem mais marcante nos quase 50 filmes de sua carreira.
A primeira lembrança que me vem é sua entrega total, orgânica, ao personagem Angelo em um dos mais belos filmes de todos os tempos, Teorema, de Pier Paolo Pasolini, 1968.
Enigmático, ele chega à casa de uma família burguesa e passa o dia lendo Rimbaud e Tolstoi. Nos elementos estruturados dos personagens, Angelo mais do que um hóspede, é um Deus, pela beleza, poder e mistério. Pasolini à época definiu no livro homônimo (Editora Nova Fronteira, 1968), base paralela para filme, que “o jovem hóspede não é simplesmente um hóspede que vai passar uma estadia numa família de amigos milaneses, é a alegoria de Deus” (pág. 111 da edição de 1983).
Seu jeito de dizer os poemas, alternado com pausas e silêncios anímicos, exerce fascínio sobre aquelas pessoas acomodadas em sua mesmice, levando a consequências inesperadas. Fascínio também sobre nós que imantados acompanhamos a pertinente, provocadora e genial crítica de Pasolini à futilidade e alienação de uma família. No perfil de cada membro, a representação de uma instituição e um segmento da sociedade italiana.
Em salto simétrico no tempo, lembro inevitavelmente de sua estupenda interpretação da transexual Bernadette em Priscilla, a rainha do deserto, de Stephan Elliott, 1994, quando o ator ficou mais em evidência, principalmente para as novas gerações, que passaram a prestar mais atenção em seu talento e carisma com a galeria pavimentada em Super-homem II, em 1980, onde assumiu o papel do vilão General Zod. Stamp voltava de um exílio voluntário na Índia, para “estudo e meditação”, disse.
Para começar a rever tantos personagens instigantes, Teorema, tem, particularmente, um apelo reflexivo. O próprio Terence Stamp voltou a Rimbaud em 1971 no filme Uma temporada no inferno (Une saison em enfer), de Nelo Risi, quando interpretou o poeta e sua relação conturbada com Paul Verlaine e a aventura africana na Etiópia.

sábado, 16 de agosto de 2025

53 anos



foi lá
onde o menino se fez adolescente
e viu o pai
- que doente sumiu numa tarde aleatória
- que contente reapareceu sem história
- que poente se foi e se fez memória
ele ali inerte deitado como nunca
com seu nariz e seu sapato
em
riste
ocupando o lugar da mesa de jantar
todos sem bússola no meio da sala:
minha mãe que chorava
a penca de filhos que soluçava
a vizinhança curiosa que acalmava.
..................................................................
Trecho do meu livro Trem da memória, Editora Radiadora, 2022
A vida toda é saudade.


 

terça-feira, 12 de agosto de 2025

o morto


I
O morto
tomou destino ignorado:
em que planície nos céus
sibila o seu silêncio?
Com sua armadura desfeita
o que resta é inútil:
não suporta o vento
(que sopra com a chuva)
não será restaurado nos museus
(que espiam a história)
nem se moverá com as lembranças
(que amontoam os retratos).
O morto
tomou destino ignorado.
II
Não tenham medo:
o morto não se levantará
de sua solene posição
deitado como nunca
com seu nariz e seu sapato
em
riste.
III
O morto
(saibam)
não segue no cortejo:
segue um morto
(peso inútil)
que o limite do nosso olho vê.
IV
O morto independe da vontade
dos que lhe jogam areia e flores
dos que lhe dizem orações e calam
dos que choram e esquecem
- o morto
agora
é eterno.
V
Lembramos o tamanho do morto
com suas roupas
com sua voz
com sua dor
e choramos o tamanho que falta
a lágrima que salta
em nós
até quando aprendermos
a não ser somente vivos.
VI
De nada mais sabemos
até que o morto nos mande notícias
e que seu vulto passe ao longe
como passam os viajantes
(depois)
do entardecer.
VII
Maior é o morto
na viagem
que ele continua
(em que planície nos céus?)
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Publicado no livro "Poesia provisória", Editora Radiadora, 2019

domingo, 10 de agosto de 2025

o pai ferroviário


Ninguém faz filmes sobre a família como os italianos. O ferroviário (Il ferroviere), clássico do neorrealismo, dirigido por Pietro Germi, 1956, é uma prova dessa tese.
Através dos problemas de trabalho e de família que passa um maquinista de trem, o filme desenvolve um verdadeiro painel da sociedade italiana da época, ainda se recompondo dos destroços da Segunda Guerra.
Mas o núcleo familiar é o tema (e a síntese): a esposa sofredora e resignada, um filho desempregado, uma filha infeliz no casamento, e um garoto de 10 anos no meio disso tudo.
Esse garoto, ao mesmo tempo que está perdido, contorna situações através de seu ponto de vista e de sua sensibilidade de criança observadora. O personagem do menino, interpretado por Saro Urzì, é o fio condutor do filme, e sua ligação com o pai é o que enlaça a construção narrativa.
Pietro Germi ao desenvolver o roteiro, teve o propósito de homenagear o pequeno ator Enzo Staiola, por sua atuação em "Ladrões de bicicleta" (Ladri di biciclette), de Vittorio De Sica, 1948. E conseguiu. Nessa ótica, o filme centraliza toda dramaticidade na relação pai e filho, assim como fez De Sica.
O produtor, visando o mercado internacional, para o personagem do maquinista colocou no projeto o nome do ator estadunidense Spencer Tracy, vindo de dois sucessos recentes, o western Lança partida, de Edward Dmytryk, e Conspiração do silêncio, um suspense ambientado no fim da Segunda Guerra, dirigido por John Sturges.
Pietro Germi, o pai da história, daquele menino e daquela família, puxou o freio e ameaçou cancelar tudo se a ele não coubesse o papel. Além de dirigir o filme, comandaria a locomotiva. E também conseguiu.
O cinema neorrealista italiano puro-sangue sobre o trilhos.

sexta-feira, 25 de julho de 2025

ex libris Umberto Eco


“Tenho muitas experiências que são, penso eu, comuns a todos que possuem muitos livros (agora tenho cerca de quarenta mil volumes, entre Milão e minhas outras casas) e a todos que consideram uma biblioteca não apenas um lugar para guardar livros que já leu, mas principalmente um depósito para livros a serem lidos em alguma data futura, quando sentir necessidade de lê-los. Muitas vezes acontece que nossos olhos caem em algum livro que ainda não lemos, e ficamos cheios de remorso”.
- Umberto Eco em Sobre a literatura (Record, 2002), livro de ensaios e discursos proferidos ao longo de sua ilustre carreira.
O escritor busca entender a química de sua paixão pela palavra. De reflexões sobre Ptolomeu e "a força do falso" a considerações sobre a escrita experimental de Borges e Joyce, a inteligência luminosa e o conhecimento enciclopédico de Eco estão em exibição deslumbrante por toda parte. E quando ele revela suas próprias ambições e superstições, suas ansiedades e medos autorais, sentimo-nos no jardim da literatura que ele tantas vezes alude.
Abaixo, sequência de abertura do documentário Umberto Eco: Uma biblioteca do mundo, de Davide Ferrario, 2022.
Eco caminha pelos corredores abarrotados de livros de sua casa em Milão, em busca de um determinado volume que encontra entre mais de 30 mil.
A filmagem foi realizada em 2015, um ano antes de partir, aos 84 anos, para a grande biblioteca, como Borges imaginava o Paraíso.
Não há praticidade asséptica de kindle que substitua o prazer tátil de um livro.

terça-feira, 22 de julho de 2025

o último take

Foto: Dani Sandrini

“Zita Carvalhosa portava sempre algo de primaveril, para a vida dos próximos e para o cinema brasileiro. Catalisar jovens talentos foi seu maior e raro dom’’, disse Amir Labaki, diretor do Festival de Cinema É Tudo Verdade, sobre a morte hoje, aos 65 anos, da queridíssima produtora, idealizadora e fundadora, em 1989, do Kinoforum — Festival Internacional de Curtas de São Paulo, evento que dirigiu por 35 anos.
Incluo-me nesses jovens cineastas, com meu primeiro curta, Um cotidiano perdido no tempo (1988), catalizado por Zita Carvalhosa.
O “algo de primaveril” que Labaki adjetiva é uma das doçuras que me encantava em Zita. Seu ar esguio, silencioso, em seu rosto Modigliani ao andar e sorrir, como um take de um filme campesino de Humberto Mauro.
Entre tantos e tantos e tantos trabalhos de Zita Carvalhosa para o cinema brasileiro, está a produdora SuperFilmes, com um perfil para projetos independentes e produções dirigidas por mulheres.
Os encontros nos festivais e outros eventos de cinema foram marcantes para nesse fôlego de saudade parafrasear Caio Fernando Abreu:
"Na minha memória - tão congestionada - e no meu coração - tão cheio de marcas e poços - você ocupa um dos lugares mais bonitos." 

terça-feira, 15 de julho de 2025

o instante me capta



Estou sem apoio sobre rodas
o sol e a estrada testemunham o vazio
meus perigos, os perigos do mundo.
Ousei olhar a água, a lama, a claridade, o fundo
quis amar a ausência sem sofrer
desejos se localizando macios
pecorrendo caminhos
finalizando em suspiros.
Estou em perigo sobre nuvens
novamente o vazio me mostra o pleno.
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A contemplação crítica da bela poesia de Ieda Estergilda, cearense há muitas saudades residindo em São Paulo, passando antes pelo sítio espacial de Brasília.
Os 30 poemas que compõem o seu quinto livro, Pandemonias (Editora Patuá, 2024), foram escritos naquele tempo recente sob o céu que não nos protegia: o vírus no ar "pecorrendo caminhos".
Os versos sem necessidade de rebuscamentos linguísticos, na grandiosidade da simplicidade e diretos como um abraço, "testemunham o vazio".
Sem sucubir, a poesia ousa "olhar a água", seja na lama; "a claridade", seja no fundo.

A poesia mostra o pleno.

domingo, 13 de julho de 2025

a bandeira do rock

Foto ©Phil Dent / News Group Newspapers

Em 13 de julho de 1985, o irlandês Bob Geldof, ex-vocalista da banda Boomtown Rats, organizou o show Live Aid, que ocorria simultaneamente em Londres e Filadélfia, reunindo vários nomes famosos não somente do rock, como Led Zeppelin, The Who, Rolling Stones, Black Sabbath, também do blues, como B. B. King, e figuras emblemáticas da contestação política nos anos 60, como Joan Baez.
O objetivo era chamar a atenção para a miséria no continente africano, a partir da Etiópia. Muita música, discursos engajados, pressão em cima dos governos ricos para perdoar dívida externa dos países pobres. Se a intenção deu resultados práticos ao longo desses anos, é discutível. Pelo menos, por ocasião do show, e uma segunda edição em 2005, angariou fundos para a causa.
Desde então comemora-se neste cabalístico 13, o Dia Mundial do Rock.


 

segunda-feira, 30 de junho de 2025

autorretrato


"este vidro de relógio
partido em mil esperanças"
- Fragmento cheio de amanhãs de Carlos Drummond de Andrade em Resíduo, publicado no livro A rosa do povo, 1945.

 

domingo, 29 de junho de 2025

alguma coisa


 Do meu livro Poesia provisória (Editora Radiadora, 2019).

Aos amigos Aíla Sampaio e Elias N Sampaio.

sexta-feira, 27 de junho de 2025

a aparência do ser



"Pensa que não entendo? O inútil sonho de ser. Não parecer, mas ser. Estar alerta em todos os momentos. A luta: o que você é com os outros e o que você realmente é. Um sentimento de vertigem e a constante fome de finalmente ser exposta. Ser vista por dentro, cortada, até mesmo eliminada. Cada tom de voz uma mentira. Cada gesto, falso. Cada sorriso uma careta. Cometer suicídio? Nem pensar. Você não faz coisas desse gênero. Mas pode se recusar a se mover e ficar em silêncio”.

Essa é a principal fala do filme Persona, que Ingmar Bergman dirigiu em 1966. A enfermeira Alma dá uma espécie de diagnóstico a Elisabeth, atriz de teatro, que durante a apresentação da peça Electra, de Eurípedes, fica muda, e assim passa a viver, em silêncio diante de tudo, em atos comezinhos, em gestos minimalistas, sem nenhuma doença visível.
O sueco Bergman é o mais implacável dissecador da alma humana. Poucos cineastas conseguiram adentrar com a câmera os mais secretos sentimentos que encantam e perturbam o homem em suas relações afetivas.
Os seus personagens não escapam de sondagem psicológica, seus roteiros não se livram de acepção filosófica.
Em Persona, Liv Ullman e Bibi Andersson entregam-se às suas personagens de forma anímica, uma retratando na outra o que seria o ser e a aparência. E no cinema de Bergman as aparências não enganam.
O filme será exibido, em cópia restaurada, hoje às 20h30 e amanhã às 18h30, na tela do Cine Brasília, dentro da programação Sessão Clássicos.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Agam


“Desceu. Com as mãos, com o corpo, com a coragem descalça. Desceu por entre pedras afiadas, vertigens e precipícios. Não para salvar a vida — que já havia partido —, mas para salvar a dignidade da morte. Para que uma filha pudesse voltar para os braços de sua mãe. Para que o último gesto não fosse abandono, mas acolhimento”.
- João Guató, jornalista, em sua página Pasquim Cuiabano.


 

quinta-feira, 19 de junho de 2025

127 anos em cartaz


Em um pequeno vilarejo no sertão pernambucano, três histórias de amor e desejo revolucionam a paisagem afetiva de seus moradores. Personagens de um mundo romanesco, no qual suas concepções da vida estão limitadas, de um lado pelos instintos humanos, do outro por um destino cego e fatalista.

Essa é a sinopse de um dos melhores filmes do cinema brasileiro, A história da eternidade, roteiro e direção de Camilo Cavalcante, 2014.
Na belíssima cena abaixo, o ator Irandhir Santos, na pele e na alma do personagem João Dinho, interpreta, coreografa, dubla Ney Matogrosso em “Fala” e sintetiza toda a essência do filme.
Hoje se comemora o Dia do Cinema Brasileiro. A data é uma referência às primeiras imagens em movimento feitas em nosso território: a entrada da baía de Guanabara pela câmera do italiano Afonso Segreto, em 1898, a bordo do navio francês Brésil.

leitura do dia


 

sábado, 14 de junho de 2025

100 anos de Dalton Trevisan


14 de junho de 2025: o escritor curitibano chegou perto de comemorar o centenário de nascimento. Faleceu em 9 de dezembro do ano passado.
O Instituto Moreira Salles produziu o documentário O arquivo de Dalton Trevisan para celebrar a data. Dirigido por Matheus Balbino, a representante editorial Fabiana Faversani nos conduz ao local onde ele trabalhava.
A casa. A biblioteca. As cartas. As fotos. Os recortes de jornais. O tempo organizado. A memória.
São 11 minutos pelo espaço sagrado de Trevisan.

domingo, 8 de junho de 2025

já é outra viagem

Caro Alberto Perdigão, comecei a ler seu livro Belchior: a construção de um mito na literatura de cordel (RDS Editora, 2025), lançado no último dia 5 na abertura da Feira do Livro de Brasília.
O viés de sua pesquisa é fascinante. O texto de introdução, como você constrói a descrição dos fatos e discorre a narrativa, é admiravelmente criativo ao intertextualizar o relato com versos de Belchior.
Sigo lentamente, saboreando cada parágrafo dos capítulos, palmilhando o chão sagrado sobre o que diz a literatura de cordel da vida, obra e morte de Belchior. No compasso daquela estrada ali em frente das páginas, no mesmo ritmo que o rapaz latino-americano degustava com vagar um cubano e na fumaça desenhava-se um verso.
Trabalho imprescindível, como diz Stelio Torquato Lima na apresentação.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

o filme da minha vida


Acima, a sequência final do filme Ladrões de bicicleta (Ladri di biciclette), de Vittorio De Sica, 1948: na Roma pós-guerra, cansado de procurar por sua bicicleta roubada, o desempregado Antonio Ricci decide furtar uma em frente a um estádio.
A câmera ali centralizada na aflição do pai, sob o olhar confuso, triste e complacente do filho Bruno.
Clássico do neorrealismo, é um dos filmes mais importantes da história do cinema e da minha vida. Direcionou o meu olhar e a forma de fazer cinema, deu início a minha devoção pela cinematografia italiana, que tão bem sabe contar histórias sobre núcleo familiar.
Em Ladri, o garoto, ao mesmo tempo que está perdido, contorna situações através de seu ponto de vista e de sua sensibilidade de criança observadora. O personagem é o fio condutor do filme, sua ligação com o pai é o que enlaça a construção narrativa. O mesmo fez Pietro Germi em O ferroviário (Il ferroviere), de 1956. O diretor, ao centralizar toda dramaticidade na relação do pai maquinista com o filho que vai sempre esperá-lo na estação, declaradamente, nessa intertextualidade afetiva, homenageou o pequeno ator Enzo Staiola por sua atuação no filme de De Sica.
E eu, ao estrear no mundo como pai, dei ao meu filho o nome Enzo, em referência e reverência.
De forma invertida, no olhar contre-plongée do filho, uma homenagem também ao ator Lamberto Maggiorani, que lembra muito meu pai, pelo rosto esculpido de operário, o paletó roto e as mãos dadas. Meu filho olha para mim, que olho para meu pai.
Entre trens e bicicletas, entre a Itália pós-guerra e o Brasil pós-golpe, o cinema na trilha dos corações.
O ator Enzo Staiola partiu quarta-feira, 4, aos 85 anos.

terça-feira, 3 de junho de 2025

o alma brasileira do menino da Parnaíba


“Apesar de toda precariedade, eu tive a sorte de nascer às margens do Rio Parnaíba. Eu nem sei como aprendi a nadar. A gente entrava no rio e de repente percebia que sabia se virar na água. A família organizava muitas festas.

A minha pintura tem essa alegria, esse desejo de felicidade do povo, da alma brasileira.
Esse é o lado bom do Brasil”.