quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

aquele filme do Godard


Foto: Raoul Coutard

“A realidade é muito complexa para ser transmitida pela tradição oral”. Esta é a frase que abre o filme “Alphaville, de Jean-Luc Godard.
Numa cidade futurista, um computador aboliu os sentimentos de todos os habitantes. Um agente chega ao local para convencer o inventor a destruir a máquina.
Com esse enredo, Godard (1930-2022) realizou em 1965 um filme que poderia ser feito nestes esperançosos e ao mesmo tempo distópicos e algorítmicos anos 2000. Há dias em que temos menos manhãs, em que somos engolidos pelo que inventamos.
Alphaville é uma premonição a 24 quadros por segundo. Como a realidade é muito complexa, o cinema inventa a memória do futuro.
Abaixo, a atriz Anna Karina e o diretor num intervalo das filmagens. Um olhar vê o cinema em movimento.
Hoje, 95 anos de nascimento do visionário Godard. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

de frente ao Índico

Foto: Alcance Editores, Moçambique

Felizes os homens
Que cantam o amor.
A eles a vontade do inexplicável
E a forma dúbia dos oceanos.
- Eduardo White, poeta moçambicano, um dos maiores de sua geração.
Publicado em seu primeiro livro, Amar sobre o Índico, 1984 (Editora AEMO, Maputo), o poema não tem título, está na página 64, ali no meio, navegando na imensidão de beleza poética. White, filho de português e inglesa, tinha 21 anos quando escreveu essa preciosidade.
O amor redentor, o erotismo lírico, os questionamentos existenciais, marcam a poesia desse observador dos mares, assim como os reflexos da colonização portuguesa, os conflitos políticos, a intensa guerra civil que massacrou seu país nos anos 70.
Com quase 20 livros publicados, nunca encontrei um exemplar no Brasil, desde quando existiam as livrarias, desde quando vasculho em sebos. É preciso importar, viajar, pedir a quem vem de lá depois dos oceanos. Ou navegar de outras formas, nos sites. Nos sítios. Fazer como ele disse: “Em mim não ambiciono nada em definitivo se não a magia de viajar”, do livro Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de ser Ave (1999).
Eduardo White morreu precocemente, em 2014, vitimado por meningite. Hoje ele faria 62 anos de frente ao Índico, cantando a vontade inexplicável do amor. 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

transcorrendo, transformando


De toda Bahia que lhe deu régua e compasso; de todo Brasil lindo e trigueiro que Ary aquarelou; de todos nós mulatos inzoneiros e a moça da cidade e a moça da favela com seu vestido rendado; todo mundo da Portela e do Salgueiro; de todos os caminhos dele pelo Brasil e pelo mundo com a turnê Tempo Rei, alargamos nossos corações naquele abraço de imensa gratidão!

Buda Nagô Gilberto Gil!

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

a beleza


Praticamente toda a obra de Claude Monet se caracteriza por pinturas que retratam paisagens. Era sua paixão o mundo lá fora do jeito que o impressionava por dentro.
E de tanto trabalhar horas e horas exposto ao sol dos verões, e em busca de claridade ao ar livre noutras estações do ano, o pintor contraiu catarata aos 67 anos.
Mas não parou de pintar, passou a usar cores fortes para senti-las, como o vermelho-carne. E continuou por mais de dez anos em frente ao cavalete, as cores das paisagens dilatando enquanto a escuridão chegava.
Aos 83 anos estava quase totalmente cego, sem ver por fora o que continuava mais aceso e vermelho em seu coração.
Hoje, 185 anos de nascimento do pintor que imprimiu a beleza.
Acima, reprodução de Impressão, nascer do sol, 1872. O amanhecer no porto Havre, região da Alta Normandia, França.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

descobrindo Manoel


Foto: Juan Esteves

para Manoel de Barros

Invento descobertas
no meio da escuridão.
Manoel diz que nos alimentamos
de escuros.
Quando tudo era nada.
Quando ainda somos nada.
Quando precisamos nos descobrir.
Manoel tem razão,
não:
Manoel tem coração,
sentado lá sob sua luz
em algum escuro do pantanal.
Manoel tem coração,
não:
Manoel tem razão,
inventando palavras
inventando descobertas.
Manoel de tão verdadeiro
é invenção minha
é descoberta minha.
- Do meu livro Poesia provisória, Editora Radiadora, 2019.
E Manoel descobriu meu poema um pouco antes de inventar de embora em 13 de novembro de 2014.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

a última quimera

Em 1912 Augusto dos Anjos lançou Eu, seu único livro, que reúne 58 poemas, todos em versos rimados e numa magnífica composição de decassílabos. Mas a publicação não agradou à crítica nem à classe conservadora. A literatura brasileira estava marcada pelas escolas simbolista e parnasiana.
O poeta paraibano usou a erudição como modelo formal, mas transgrediu no conteúdo, adotando uma linguagem com vocabulário científico para expor suas angústias existenciais. Sofrimento, pessimismo, tremores noturnos, podridão moral, morte, decomposição física, eram temas que não cabiam na elegância dos saraus de lirismo comedido.
Versos íntimos, seu poema mais conhecido, é no mesmo fôlego epígrafe e lápide de seus curtos e intensos 30 anos de vida com o coração cheio de pesares. Um soneto de insólita combinação paradoxal da finitude humana.
111 anos hoje de seu falecimento.
Poucos devem ter assistido ao seu enterro no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, em Leopoldina (MG). "Somente a Ingratidão – esta pantera – / Foi tua companheira inseparável! ”.
Foto: autor desconhecido, 1912, Acervo Biblioteca Brasiliana Guita, São Paulo.

 

quem me navega é o mar


 

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

ê bumba-iê-iê boi, ano que vem, mês que foi

“E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão”
- Trecho do poema Pessoal intransferível, de Torquato Neto, escrito um ano antes de ele apagar a luz em 10 de novembro de 1972, um dia depois de completar 28 anos.
Acima, um trecho da fala da artista plástica Anna Bella Geiger no documentário Torquato – Imagem da incompletude, de Danilo Carvalho e Guga Carvalho, 2019.
O título da postagem é um verso de Geleia geral, de Torquato, musicado por Gilberto Gil, gravado no disco Tropicália ou Panis et Circencis, 1968.

lágrima nordestina


 

domingo, 9 de novembro de 2025

Torquato Neto


 

a que será que se destina


Foto Acervo família Torquato Neto

O meu nome é Torquato
O do meu pai é HELI
O da minha mãe SALOMÉ
E o resto ainda vem por aí


Primeiro poema de Torquato Neto, escrito aos 9 anos de idade, em Teresina, 1953, mencionado no documentário Torquato Neto - Todas as horas do fim, de Eduardo Ades e Marcus Fernando, 2017.
Hoje, 9 de novembro, se acaso a sina do menino infeliz não se nos ilumina, ele faria 81 anos pessoais e intransferíveis.
Acima, Torquato Pereira de Araújo Neto em frente ao Teatro 4 de Setembro, Praça Pedro II, na capital piauiense.

sábado, 8 de novembro de 2025

pinta de delegado


Meu caro amigo ator Robério Diógenes, você tem pinta de delegado. Delegado doutor Euclides de "O agente secreto".

Brilhante atuação! Parabéns!

Foto: Celiane Oliveira, Bar Estoril, Fortaleza, 2014.

os agentes cearenses


 

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

os instantes de Cecília


Motivo, publicado em Viagem (1939), é o poema mais substancial em metalinguagem, significado e definição de Cecília Meireles:
"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta."
A análise semântica que se faz de cada verso,
"atravesso noites e dias
no vento”
“se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço”,
traça um perfil elucidativo de quem tem o dom e o fado de lapidar a vida com a mais íntima manifestação da literatura: a poesia. O canto.
124 anos hoje do nascimento de Cecília.
Mais de um século de asa ritmada. Se fica ou passa, ela sabia que cantava. E a canção é tudo.
Foto década de 50, Acervo Solombra Brooks

 

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

"o erro é construção"


Trecho da entrevista da poeta portuguesa Matilde Campilho ao jornalista Eric Nepomuceno no programa Sangue Latino (Canal Brasil, 2020).

Em referência e endosso a sua reposta, ela cita Samuel Beckett numa passagem da novela Worstwald Ho, incluída, com outros dois textos, no volume Nohow on (1989).
A frase do dramaturgo irlandês, mais do que uma repetição motivacional que se vê por aí, é um dos tantos elementos do cerne filosófico de sua obra. "Sempre tentaste. Sempre falhaste. Não importa. Tente de novo. Falhe de novo. Falhe melhor", como está na novela, expressa e define a persistência necessária do ser humano como superação ao atravessar um fracasso.
Relendo Joquei, o primeiro e ótimo livro de Matilde Campilho, de 2014, percebe-se o quanto sua poesia, com sutileza e beleza, é permeada por alusões filosóficas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025


 

esquina equatorial


Equatorial, uma das belas composições de Lô Borges, de 1979, em parceria com o Beto Guedes e o irmão Márcio Borges, fala sobre uma jornada pessoal de busca incessante (“eu vou sair outra vez, / onde morre a trilha do meu silêncio / vou te buscar”).

O poeta percorre o tempo e o espaço simbolizados pela repetição dos versos, como um mantra. “Pela noite equatorial” e “Pelo dia equatorial” ele sempre vai sair outra vez em busca de algo maior.
No documentário Nada será como antes - A música do Clube da Esquina, de Ana Rieper (2024), há uma sequência em que Lô Borges ao lado de Márcio saem do Edíficio Levy, onde moravam, em Belo Horizonte, e caminham pelas ruas em direção à esquina que virou clube daquela turma. Lô fala da composição.
A sequência é editada com imagens de ruas da década de 60, o que dá um efeito de viagem no tempo em direção ao que foi e nada será como antes.
Lô Borges partiu nesta manhã. Dobrou a esquina aos 73 anos.
“Clara dor tropical” de uma saudade.

domingo, 2 de novembro de 2025

locações na Palestina

 


Em meados de 1963, Pier Paolo Pasolini viajou a Israel, Jordânia e Palestina. Com ele dois produtores cinematográficos, o diretor de fotografia Tonino Delli Colli, o padre jesuíta Andrea Carraro e o exegeta bíblico Lucio Settimi Caruso.

Marxista, ateu anticlerical, o cineasta preparava a produção de O Evangelho segundo Mateus (1966), uma visão muito própria da pregação e martírio de Jesus Cristo, reinventando a figura mística através dos diálogos canônicos escritos pelo mais realista dos seus quatro discípulos. Pasolini pretendia mostrar, e o fez, não somente um Cristo precatado, mas um líder que questiona e reivindica.

A viagem aos países do Oriente Médio foi para conhecer, analisar e mapear locações para o filme, por isso sua assessoria, a técnica e a religiosa. Pasolini queria filmar nos locais onde Jesus teria passado.

Depois de duas semanas de andança pelo chão sagrado, viajando em aldeias, ouvindo e conhecendo a história do povo árabe com seu plano de partilha transfigurado, o cineasta desiste de levar as câmeras para lá e a produção define as filmagens no sul da Itália.

Naquele começo de década, a Palestina já estava com quase todo seu território ocupado pelo Estado de Israel, fundado logo após a Segunda Guerra Mundial. “Israel é moderna demais. Os palestinos, muito infelizes”, declarou Pasolini em entrevista. Para ele seria impossível acreditar que os ensinamentos de Jesus tivessem alcançado aqueles rostos.

Por outro lado, a viagem resultou em um ótimo documentário de 52 minutos, “Sopralluoghi in Palestina per Il Vangelo Secondo Matteo” (1965), uma preciosa crônica do itinerário do cineasta na Terra Santa. Embora o toquem profundamente, os lugares da Paixão o decepcionam, sentimento muito claro nos enquadramentos, nos olhares flagrados pelo fotógrafo Tonino Colli, nos comentários e reflexões de Pasolini para o religioso Carraro. Ao procurar o antigo e o sagrado, numa paisagem onde tudo parece queimado na matéria e no espírito, o cineasta encontra a modernidade tirânica e a miséria intolerável.

Hoje, 50 anos da morte do cineasta.

Acima, um trecho do documentário.

sábado, 1 de novembro de 2025

o tédio da eternidade


 Uma das melhores cenas de um grande filme com um grande ator num grande personagem.

Nosferatu - O vampiro da noite (Nosferatu - Phantom der nacht), de Werner Herzog, Alemanha, 1979.

beat acelerado


Marshall Berman, escritor e filósofo norte-americano, falecido em 2013, aos 72 anos, foi um dos grandes pensadores da modernidade.
Seu livro mais conhecido, Tudo que é sólido desmancha no ar: A aventura da modernidade" (1982), é uma análise interessantíssima do que seja modernismo e do que se diz pós-moderno.
O título da obra é uma alusão ao pensamento exposto no Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, de 1848, que por sua vez remete a um verso de A tempestade”, de William Shakespeare, 1610, dito pela jovem Miranda, filha do Duque Próspero. À propósito, em outro momento na peça, a personagem exclama “Oh! Brave New World”, que viria a ser título do distópico livro de Aldoux Huxley, em 1932.
Na obra de Berman, os clássicos Goethe, Baudelaire, Dostoiévski, as vanguardas do século passado, todos passam pela dissecação crítica desse nova-iorquino que ia na contramão dos conceitos capitalistas e bélicos de seu país.
Modernismo nas ruas - Uma vida e tempos em ensaios, seu último livro, concluído um pouco antes de sua morte, lançado em 2017, como um remate expressa perfeitamente seu pensamento. Estão ali dezenas de ensaios sobre os agitados anos 60, escritos sobre rock e hip hop, apontamentos sobre grandes nomes da literatura, de Franz Kafka ao turco Orhan Pamuk, Nobel de 2006.
Um teórico urbano e seus contornos de cultura beatnik, Berman fez uma espécie de autobiografia na defesa lírica do modernismo.

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Saci


 

o itabirano


 

metonímia de um povo


"sua gula e jejum
sua biblioteca..."
- Versos da terceira estrofe de José, de Carlos Drummond de Andrade, no livro de título homônimo, originalmente publicado na coletânea Poesias (Editora José Olympio, 1942), que reúne também suas três primeiras obras, Alguma poesia, Brejo das almas e Sentimento do mundo.
José, o livro, com apenas 12 poemas, expressa e mescla a solidão do homem na metrópole e as questões pessoais do autor.
José, o poema, especificamente, é a mais pura elocução de abandono e desesperança do indivíduo na cidade, personificado no nome mais comum da nossa língua e que tem sentido coletivo.
Estruturado na verticalidade de versos livres, linguagem popular e ambiente cotidiano, Drummond repete o refrão “E agora, José” como um mantra de identificação, abraço e compartilhamento de sentimentos. Foi escrito no contexto e cenário dos escombros da Segunda Guerra e o Brasil do Estado Novo ditatorial de Vargas. O passado era refúgio, “quer ir para Minas, / Minas não há mais”; o futuro para onde se marcha não existe porta, “José, para onde?”.
Hoje, 123 anos de nascimento do poeta.
Você não morre, você é duro, Drummond.  

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

o nosso estrangeiro



O antropólogo e etnólogo belga-francês Claude Lévi-Strauss, aquele que "detestou a Baía de Guanabara: pareceu-lhe uma boca banguela", como lembrava Caetano Veloso na música O estrangeiro, no disco homônimo de 1989, foi um grande pesquisador e entusiasta da história brasileira.
A citação do compositor baiano teve inspiração no livro Tristes trópicos, clássico lançado em 1955, um ensaio etnográfico romanceado, onde estão as bases do estruturalismo e da antropologia moderna.
Em uma entrevista ao jornal O Globo em 2009, Caetano diz que “Lévi-Strauss pediu desculpas por discordar de todos que acham o Rio bonito e declara que, para ele, a cidade não tem nenhum encanto e as proporções entre a baía e as rochas que a circundam (Pão de Açúcar, Corcovado, Urca e pedras menores) dão a impressão de uma boca desdentada: os promontórios seriam muito pequenos para o tamanho da baía”.
A obra de 500 páginas é um tratado sobre o processo civilizatório, um extraordinário relato com sinceras reflexões sobre a viagem que fizera ao Brasil nos anos 1930. Lévi-Strauss conviveu com os índios bororo, nambiquaras e cadiuéus nas matas amazônicas, observando os mitos e rituais, o que lhe deu a certeza de que não se tratavam de selvagens, e sim donos de uma lógica complexa e sofisticadas estruturas sociais, fazendo uma análise comparativa das religiões do velho e do novo mundo. Também fotografou muito o dia a dia da nossa realidade, os costumes, as cidades e seu povo.
Claude Lévi-Strauss faleceu a poucas semanas de completar 101 anos, na madrugada de 30 de outubro de 2009, em Paris.
Acima, o antropólogo em seu escritório em São Paulo, 1935. Foto: Acervo Biblioteca Nelson Foot, Jundiaí, SP.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

o homem que amava os livros


Foto: Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, USP

O Dia Internacional do Livro é comemorado em 23 de abril, referência da UNESCO às datas de falecimento de Miguel de Cervantes e William Shakespeare, em 1616.
No Brasil, o Dia Nacional do Livro é celebrado hoje, 29 de outubro, em homenagem à fundação da Biblioteca Nacional, em 1810, com a transferência da Real Biblioteca Portuguesa para cá.
Reverencio a data ao bibliófilo José Mindlin, criador da mais importante biblioteca privada do país. Quatro anos antes de falecer, aos 95, em 2010, ele doou sua coleção para a Universidade de São Paulo, com mais 30 mil volumes.
“A gente passa e os livros ficam. Então, é preciso que esse conjunto seja mantido e aumentado com o tempo. Sentirei saudades dos livros…”, disse durante a assinatura do termo de doação no auditório do Conselho Universitário.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

a palavra precisa


Desenho: Cícero Rodrigues

Em um trecho da entrevista ao jornalista Joel Silveira, na Livraria José Olympio, no Rio de Janeiro, em 1948, Graciliano Ramos disse, sobre o ofício de escrever, que "A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer".
Essa e muitas outras entrevistas, com enquetes e depoimentos, estão reunidas no livro Conversas: Graciliano Ramos, organizado por Thiago Mio Salla e Ieda Lebensztayn (Editora Record, 2014). Os autores compilaram um riquíssimo material de 1910 a 1952, dando um painel da vida pessoal, intelectual e política do escritor alagoano.
A precisão da palavra na obra Graciliano Ramos é definição desse pensamento pontuado na entrevista.
Graciliano está para a prosa assim como João Cabral de Melo Neto para a poesia. A síntese da palavra, a palavra certa na síntese, é o ouro verdadeiro que brilha em seus livros. A secura de sua literatura não é aridez, é concisão, é métrica em diálogos, é a dissecação dos sentimentos dos personagens e desenho definido dos conflitos, sem rodeios, a fundo. Graciliano é um minimalista do sertão, se destitui de excessos para fixar no âmago. Por isso sua palavra diz.
Vidas secas, publicado em 1938, por exemplo, é uma espécie de romance-haicai, pelo texto e os diálogos sincopados. E essa objetividade e determinismo do escritor, faz o leitor partícipe do destino daquela família de retirantes.
A literatura de Graciliano tem essa beleza e esse olhar determinado da escrita. São Bernardo, Angústia, Caetés, Insônia, os memorialistas Infância e Memórias do cárcere, tudo! A elegante obra de correspondências "Cartas de amor à Heloísa" é de um esplendor poético impressionante pelo rigor das palavras.
Hoje 133 anos de seu nascimento. 

domingo, 26 de outubro de 2025

o iracundo

 

Darcy Ribeiro dizia que os escritores se dividem em dois grupos, os áulicos e os iracundos, e que com muita alegria se colocava na segunda lista.
Os aúlicos são os que vivem à sombra do poder, com ideias verdadeiras, mas irrelevantes, que não deixam nenhuma marca no mundo.
Os iracundos são intelectuais indignados, desafiadores, que não se limitam a ilustrar com exemplos do Hemisfério Sul as teorias importadas do Hemisfério Norte.
Na imagem acima, Darcy com rosto pintado por índios Kadiwéu, em Matogrosso do Sul, 1947, fotografado por sua esposa, Berta Gleizer Ribeiro, também antropóloga e etnóloga.
Nunca o Brasil foi tão brasileiro na existência de Darcy Ribeiro.
Hoje, 103 anos de seu nascimento.