Foto: daguerreótipo de Jacques-Ernest Bulloz, 1848
A edição de O chefão (1969), de Mario Puzo, lançada em 1996 pela Record, como parte da Coleção SuperSellers, abre com a epígrafe “Por trás de cada fortuna há um crime”, máxima atribuída ao grande escritor francês Honoré de Balzac, fundador do Realismo na literatura moderna.
Creio que a iniciativa tenha sido dos editores da Coleção, e não do autor italiano, pois em outras edições não consta essa abertura. O meu exemplar é de 1981, da Abril Cultural, e já inicia com o Capítulo I do Livro I (a obra de quase 500 páginas é dividida em 32 capítulos de nove tomos internos). A colocação e natureza dessa epígrafe deve-se, deduzo, ao sucesso da magnífica adaptação para o cinema na trilogia (1972-1974-1990) dirigida por Francis Ford Coppola, tanto é que o título da edição é O poderoso chefão.
Balzac não proferiu essa máxima. Pelo menos assim. O que conhecemos é um erro histórico de tradução que se estende há quase dois séculos. A frase original está no romance O pai Goriot, de 1835, que integra a magnum opus A Comédia Humana. Quem diz é o personagem vilão de dupla identidade, Vautrin/Jacques Collin. Na página 89 ele fala para o jovem Eugène de Rastignac:
“O segredo das grandes fortunas sem causa aparente é um crime esquecido, porque foi cometido com limpeza.”
Portanto, refere-se a uma riqueza inexplicada e não às fortunas em geral, assim entendo.
Fui atrás do original em francês, Le pére Goriot (La Bibliothèque Électronique du Québec, 2010), para fundamentar estas considerações.
Balzac, ou seja, Vautrin, diz lá na sua língua:
“Le secret des grandes fortunes sans cause apparente est un crime oublié, parce qu’il a été proprement fait.”
Uma amiga francesa verteu para o português e é exatamente como está na edição brasileira da Companhia das Letras, 2015, na ótima tradução de Rosa Freire D’Aguiar.
Esse engano da máxima atribuída a Balzac, e mais do que nunca disseminada no impulso das redes sociais, é o mesmo de “Os fins justificam os meios”. Maquiavel disse de outra maneira, totalmente diferente, em O Príncipe. Mas isso fica para outra postagem.
De quem partiu a tradução errada, não se sabe. "Crime esquecido, porque foi cometido com limpeza".