Foto: Acervo Fundação Darcy Ribeiro
Com seus direitos políticos cassados e obrigado a se exilar em 1968, Darcy Ribeiro estava em Portugal em 1974 quando foi diagnosticado com câncer no pulmão. O governo Geisel autorizou seu retorno para fazer tratamento. O antropólogo enfrentou a doença, foi eleito vice-governador do Rio de Janeiro na chapa de Leonel Brizola, em 1982, iniciou seu mandato como senador pelo PDT em 1991, e no ano seguinte imortal na Academia Brasileira de Letras.
A doença se agravou nos anos 90. Mas Darcy sempre altivo, ardoroso defensor de suas ideias, encantando com sua oratória. Cruzei com ele uma vez pelos corredores do Congresso bradando que o presidente Fernando Henrique tomasse uma decisão digna e não privatizasse a Vale do Rio Doce. Outro momento marcante que vi foi quando, já debilitado, apareceu em uma cadeira de rodas no plenário do Senado, em fevereiro de 1997, para a eleição do presidente da Casa.
Darcy dizia que os escritores se dividem em dois grupos, os áulicos e os iracundos, e que com muita alegria se colocava na segunda lista. Os aúlicos são os que vivem à sombra do poder, com ideias verdadeiras, mas irrelevantes, que não deixam nenhuma marca no mundo. Os iracundos são intelectuais indignados, desafiadores, que não se limitam a ilustrar com exemplos do Hemisfério Sul as teorias importadas do Hemisfério Norte. No primeiro encontro aproximei-me dele, estendi-lhe o braço e disse que queria muito apertar a mão de um iracundo. Ele sorriu e me deu um abraço.
Uma semana depois da votação, Darcy foi internado, apresentando fortes problemas respiratórios. Após fazer os exames, chamou a médica que lhe assistia e disse que estava com vontade de dar aula, e que lhe trouxesse uma criança. Horas depois, ali no leito, Darcy deu aula a uma menina de 9 anos. Falou sobre o Brasil, sobre a importância de respeitar todas as culturas. Falou sobre escolas e sambódromos.
Era madrugada do dia 17 de fevereiro de 1997 quando disse à enfermeira que queria fazer a barba, vestir-se e participar do seminário sobre seu Projeto Caboclo, que acontecia num hotel. Diante a lucidez de seu amor pelo Brasil e o delírio de atravessar as limitações de suas forças físicas, a equipe médica o convenceu o contrário. Amanhecia quando foi levado às pressas a um leito da UTI. Faleceu poucas horas depois, aos 74 anos.
Nunca o Brasil foi tão brasileiro na existência de Darcy Ribeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário