sábado, 30 de setembro de 2023

sós


"E a solidão das pessoas dessas capitais"
- Belchior, Alucinação, 1976.
Hoje, seis anos e cinco meses que ele se encantou com uma nova invenção.
Desenho: Yuval Robichek, ilustrador israelita.

 

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

a vida como ela é


"Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento."
Trecho de uma das crônicas do afiado Machado de Assis, publicada em sua coluna semanal no jornal Diário do Rio de Janeiro, por volta de 1860. Desde jovem colaborava com textos ácidos e bem-humorados em vários mperiódicos da imprensa carioca, e isso abriu caminhos para a carreira literária.
Machado acompanhou a mudança política no país quando a República substituiu o Império. Com sua escrita lúcida, direta, inteligente, moderna, fazia uma radiografia dos emaranhados eventos políticos, dos meandros e costues de uma sociedade burguesa e conservadora que se desenhava e o declínio das principais instituições do país, mais exatamente a monarquia e a igreja.
115 anos hoje que Machado de Assis não morreu.
Foto de autor desconhecido, 1904, Acervo Arquivo Nacional.


 

terça-feira, 26 de setembro de 2023

ensaio sobre a audição


“A visibilidade nos faz solitários, enquanto a audição cria um senso de conexão e solidariedade. Nós encaramos sozinhos o suspense do circo, mas o primeiro estouro de aplausos depois do relaxamento do suspense nos une à multidão.”
- Juhani Pallasmaa, arquiteto finlandês, trecho do ensaio An architecture of the seven seas, publicado no livro Architecture and urbanismo: Questions of percepcion, pág. 34, Tokyo Publisching Ltd, 1994.
Foto: cena do filme Profissão: palhaço, de Paula Gomes, 2009. 

sábado, 23 de setembro de 2023

quando o carteiro chegou


O livro Il Postino, de Antonio Skármeta, 1986: as lembranças do exilado Neruda contadas ao humilde Mário.

O filme de Michael Radford, O carteiro e o poeta, 1994 (foto): as atuações humanas de Philippe Noiret e Massimo Troisi.
E nós todos na Isla Negra: embevecidos de poesia por todos lados.
50 anos hoje que Pablo Neruda se foi: na posta-restante de nosso coração continuam chegando seus poemas.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

o trem da minha vida


Trem da memória, de Nirton Venancio (Editora Radiadora, 2022), é uma viagem sensorial, sinestésica, desperta muitas sensações. Embarca-se na viagem do Nirton menino e viramos meninos também. A composição poética, do ponto de vista da estrutura, é desordenada no sentido de que ela não precisa cumprir versificação. E assim, as palavras dançam, brincam. Percorrem linhas horizontais e verticais. O trem parece que quase descarrilha em algumas páginas, sai dos trilhos várias vezes em alguns trechos, e é quando a gente mais viaja!
Um cenário em cada estação, um episódio da família, da vizinhança, fatos da memória, são narrados como uma sequência de filmes que passaram pela cabeça do autor e pela do leitor, porque vamos construindo um filme também.
E o trem vai seguindo, tomando o rumo e prumo no final. Ou não, porque nas últimas páginas o trem que trouxe o menino do interior “chegou à estação João Felipe”, na capital, “e continua nos trilhos de minha vida”. “O que escrevo são incompletudes”, avisa o poeta.
Faz tempo que não caio de encantos por uma poesia que foge muito ao estilo do que tenho lido.
- Meire Viana, poeta, professora de literatura (Fortaleza)
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O livro concorre ao 65º Prêmio Jabuti, IX Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa, Faro, Portugal, e Prêmio Literário Biblioteca Nacional.
À venda com o autor e pelo site www.radiadora.com.br


 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

aprumo


"Há sempre um lado que pesa / outro lado que flutua."
- Otto, trecho da composição Crua, 2009.
Ilustração: Equilíbrio, 2012, do cartunista jordaniano Amjad Rasmi

 

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

na taba de um índio


"Era uma tarde de fevereiro de 1949 e o jovem radioator Walter Forster matava o tempo jogando uma partida de peteca no pátio da Rádio Difusora de São Paulo, no alto do Sumaré, em companhia dos radialistas Cassiano Gabus Mendes e Dermival Costa Lima. (...) No meio jogo, a quadra improvisada é invadida por Assis Chateaubriand de terno preto de lã e chapéu gelot na cabeça, acompanhado de um grupo de homens, todos de paletó e gravata, trazendo nas mãos pedaços de papel, trenas e diagramas. Empurrando os jogadores de peteca com os ombros, Chateaubriand tira do bolso do paletó um pedaço de giz e vai riscando o chão e dando ordens em voz alta ao homem que estendia a trena sobre o cimento:
- Aqui vai ser o estúdio A. Agora espiche a trena para o lado de lá, ali vai ser o estúdio B. Veja se confere com o mapa.
Walter Forster se aproxima cautelosamente do patrão e pergunta:
- Mas, doutor Assis, o senhor está pretendendo acabar com nosso campinho de peteca?
Sem se levantar por completo, ele apenas ergue os olhos com desdém:
- Vocês vão jogar peteca no diabo que os carregue: aqui vão ser os estúdios da TV Tupi."
Trecho da biografia Chatô - O rei do Brasil, de Fernando Morais (Companhia das Letras, 1994).
Um ano e sete mês depois, em 18 de setembro de 1950, a Rede Tupi foi inaugurada. A primeira emissora de televisão do Brasil e a quarta do mundo.
A famosa logomarca, criada pelo desenhista, roteirista e produtor de diversos radioteatros, Mário Fanucchi (1927-2022), está na memória afetiva de várias gerações. Junto com o maestro Erlon Chaves (1933-1974), criou o jingle Já é hora de dormir, que encerrava a programação, patrocinada pelos Cobertores Parahyba, fábrica de tecelagem paulista. Em Fortaleza, a TV Ceará, repetidora da Tupi, as transmissões terminavam às 23h com Acalanto, de Dorival Caymmi, e nos adormecia.
Extinta em 1980, a Rede Tupi mudou a logomarca em 1972, quando a vinheta com simpático indiozinho tupiniquim saiu definitivamente das tribos urbanas.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

transversal do tempo


Fotos: Arquivo Família Winehouse / Asif Kapadia

Amy bebê e sua mãe, Janis Winehouse.
Amy Winehouse e sua mãe, Janis.
Hoje, 40 anos de nascimento da cantora.
O tempo atravessando o coração de cada uma.
12 anos sem uma na saudade de outra. She died a hundred times.

 

aquele filme do Godard

Foto: Raoul Coutard

“A realidade é muito complexa para ser transmitida pela tradição oral”. Esta é a frase que abre o filme Alphaville, de Jean-Luc Godard.
Numa cidade futurista, um computador aboliu os sentimentos de todos os habitantes. Um agente chega ao local para convencer o inventor a destruir a máquina.
Com esse enredo, Godard, que faleceu em 13 de setembro de 2022, aos 91 anos, com sua perspicácia e genialidade, realizou em 1965 um filme que poderia ser feito nestes esperançosos e ao mesmo tempo distópicos e algorítmicos anos 2000. Há dias em que temos menos manhãs, em que somos engolidos pelo que inventamos.
Alphaville é como uma projeção visionária, uma premonição a 24 quadros por segundo. Como a realidade é muito complexa, o cinema inventa a memória do futuro.
Acima, Anna Karina e Godard num intervalo das filmagens. Um olhar vê o cinema em movimento. 

viagem a Creta


Na mitologia grega, Minotauro é aquele que tem corpo de homem e rosto e cauda de touro. Por ser um monstro que se alimenta de seres humanos, é preso em um labirinto, criado por Ídalo e Dédalo, por ordem do rei de Creta, Minos, para que lá se perca infinitamente. Essa sentença se explica mais pela atitude de revide: Minotauro é fruto de um interlúdio, digamos, um entreato da esposa do tal monarca cretense, Pasífae, com um touro que foi doado por Poseidon, o deus do mar, ao reino. De Athenas eram enviados belos rapazes e moças virgens para o cardápio do canibalismo atávico de Minotauro. Num desses despachos de humanos para serem devorados, chega Teseu, empenhado em matar Minotauro. O intento é concretizado com ajuda de Aríadne. Vitoriosos, os dois jovens heróis se apaixonam.

Esse verbete do enciclopédico e fascinante universo da mitologia grega tem desdobramentos e versões várias. Minha paixão por mitologia faria estender este texto, o que não cabe no momento. Apenas situei o resumo acima para apontar que o escritor Ricardo Kelmer, em assumida inspiração, colocou, surpreendentemente, elementos de personagens e contextos do mito de Minotauro em seu novo romance Minha doce vida perdida (Miragem Editora, 2023).
Componentes como deuses, heróis, seres sobrenaturais e demais criaturas trazidas da mitologia, são elementos interligados com fatos e características humanas existentes. A psicanálise pontua muito bem seus conceitos na mitologia. Mas a nossa praia lírica aqui é a literatura, que igualmente não obedece a regras de tempo, espaço e ação. A literatura na sua viagem de criar, recriar, e tudo que evidencia as funções essenciais catártica, estética, cognitiva e político-social, disserta correlações para transmitir conhecimento, reflexões e também diversão, pois o prazer é, sobretudo, um fôlego revolucionário.
Kelmer faz em seu livro justamente isso, a ruminação como ensaio num enredo de linguagem leve, lúdica, engraçada, com criatividade e domínio da escrita. O protagonista, com problemas no casamento, é levado numa transmutação para o seu passado, onde encontra o seu amor, tudo no esplendor primaveril dos 20 anos de idade. Mas o prenunciável e o imprevisível se apresentam, porque nem na imaginação, devaneio e sonho, a vida é toda bela e sem conflagrações.
E o que essa doce vida perdida tem a ver com o mito grego? Tudo e muito mais que se queira buscando tornar as coisas menos chatas. Só lendo para ver a ousadia salutar de Ricardo Kelmer. Estão lá os personagens centrais Téssio e Ariane, como heterônimos de Teseu e Aríadne; a geografia do passado como a cidade Creta, e ele, o rapaz, vindo do presente como de Athenas se deslocou o herói. E tudo é labirinto nessa excursão mítica do ontem com o contemporâneo: a autor na destreza e manobras dos contornos do enredo, os personagens se espelhando e se compartilhando em dois tempos e o leitor imantado com a reflexão e o entretenimento. 

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

mais uma saudade

 

A saudade tem mais um nome: José Anderson Freire Sandes.

O jornalismo cearense partido com sua partida hoje, caro amigo.
Não era a pauta que queríamos.

outro 11 de setembro há 50 anos

 


Em plena Guerra Fria, com os Estados Unidos enviando centenas de garotos que amavam os Beatles e os Rolling Stones morrerem no Vietnã, países importantes da América Latina, como Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador e Uruguai sob sanguinários regimes militares, o império norte-americano não admitia no Chile o nascimento do governo socialista de Salvador Allende na sua área de influência, após Cuba.

Às 11h52 de 11 de setembro de 1973, depois de uma manhã inteira de cerco, aviões Hawker Haunter da Força Aérea Chilena e tropas sob o comando do fascista general Augusto Pinochet bombardeiam o Palácio de La Moneda e a residência do presidente Allende, assassinando-o, com total apoio da Casa Branca e aplausos de Richard Nixon.
A data é um marco no terrorismo de Estado.

sábado, 9 de setembro de 2023

quando o poema ganha outra dimensão


O vento forte da vida nos mantém nessa praia lírica da amizade, do afeto, da delicadeza, querida Mona Gadelha, desde tanto mar dentro de nós. Meu coração abraça o seu. Amores que estendem os braços.

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

um trem na praia



Os olhos pequenos
(bilas que brilhavam
nos cantos da casa)
vasculhavam (também) os telhados
donde vazava o sol
e quando no negrume
as estrelas sobravam:
e
caiam
lentas
em
minha
rede
de
brim....
Versos de Trem da memória (Editora Radiadora, 2022) lidos literalmente ao balanço de uma rede, em frente ao marzão cearense da Praia da Baleia.
O colo, o coração, o afeto da amiga Meire Viana: mais uma estação.
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O livro concorre ao 65º Prêmio Jabuti, Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa 2023, IX Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa, Faro, Portugal, e Prêmio Literário Biblioteca Nacional.
À venda com o autor e pelo site www.radiadora.com.br

 

doce viagem a Creta


Na mitologia grega, Minotauro é aquele que tem corpo de homem e rosto e cauda de touro. Por ser um monstro que se alimenta de seres humanos, é preso em um labirinto, criado por Ídalo e Dédalo, por ordem do rei de Creta, Minos, para que lá se perca infinitamente. Essa sentença se explica mais pela atitude de revide: Minotauro é fruto de um interlúdio, digamos, um entreato da esposa do tal monarca cretense, Pasífae, com um touro que foi doado por Poseidon, o deus do mar, ao reino. De Athenas eram enviados belos rapazes e moças virgens para o cardápio do canibalismo atávico de Minotauro. Num desses despachos de humanos para serem devorados, chega Teseu, empenhado em matar Minotauro. O intento é concretizado com ajuda de Aríadne. Vitoriosos, os dois jovens heróis se apaixonam.
Esse verbete do enciclopédico e fascinante universo da mitologia grega tem desdobramentos e versões várias. Minha paixão por mitologia faria estender este texto, o que não cabe no momento. Apenas situei o resumo acima para apontar que o escritor Ricardo Kelmer, em assumida inspiração, colocou, surpreendentemente, elementos de personagens e contextos do mito de Minotauro em seu novo romance Minha doce vida perdida (Miragem Editora, 2023).
Componentes como deuses, heróis, seres sobrenaturais e demais criaturas trazidas da mitologia, são elementos interligados com fatos e características humanas existentes. A psicanálise pontua muito bem seus conceitos na mitologia. Mas a nossa praia lírica aqui é a literatura, que igualmente não obedece a regras de tempo, espaço e ação. A literatura na sua viagem de criar, recriar, e tudo que evidencia as funções essenciais catártica, estética, cognitiva e político-social, disserta correlações para transmitir conhecimento, reflexões e também diversão, pois o prazer é, sobretudo, um fôlego revolucionário.
Kelmer faz em seu livro justamente isso, a ruminação como ensaio num enredo de linguagem leve, lúdica, engraçada, com criatividade e domínio da escrita. O protagonista, com problemas no casamento, é levado numa transmutação para o seu passado, onde encontra o seu amor, tudo no esplendor primaveril dos 20 anos de idade. Mas o prenunciável e o imprevisível se apresentam, porque nem na imaginação, devaneio e sonho, a vida é toda bela e sem conflagrações.
E o que essa doce vida perdida tem a ver com o mito grego? Tudo e muito mais que se queira buscando tornar as coisas menos chatas. Só lendo para ver a ousadia salutar de Ricardo Kelmer. Estão lá os personagens centrais Téssio e Ariane, como heterônimos de Teseu e Aríadne; a geografia do passado como a cidade Creta, e ele, o rapaz, vindo do presente como de Athenas se deslocou o herói. E tudo é labirinto nessa excursão mítica do ontem com o contemporâneo: a autor na destreza e manobras dos contornos do enredo, os personagens se espelhando e se compartilhando em dois tempos e o leitor imantado com a reflexão e o entretenimento.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

a geometria dos dias


Um dos melhores livros da crônica contemporânea. Marcus Moura, também roteirista e cineasta, com seu olho-câmera desenha a geometria dos dias de sua vida e dos personagens ao redor do seu coração e dos fatos.
Uma escrita poética, espirituosa e, sobretudo, corajosa, sem pudor de ser verdadeiro, autêntico. Se algo ali na esquina de uma crônica não aconteceu, está na forma que poderia ter sido, que quase foi, ou até mesmo que o autor e o leitor queriam que fosse. A cumplicidade secreta de quem escreve com quem lê.
Moura faz o caminho inverso do cinema para a literatura: adapta para a escrita o que a memória filmou.


 

terça-feira, 5 de setembro de 2023

o caminho dele pelo mundo


De toda Bahia que já lhe deu régua e compasso, de todo Brasil lindo e trigueiro que Ary aquarelou, de todos nós mulatos inzoneiros e a moça da cidade e a moça da favela com seu vestido rendado, todo mundo da Portela e do Salgueiro, de todos os caminhos dele pelo mundo ao show ontem em Brasília, alargamos nossos corações naquele abraço de imensa gratidão!

Mais do que fã, sou devoto. A bênção, Buda Nagô Gilberto Gil!