segunda-feira, 7 de agosto de 2023

o endemoniado pelo talento


Em 2006 o diretor estadunidense William Friedkin apresentou seu filme Bug (no Brasil, Possuídos) na mostra paralela Quinzena dos Realizadores, no Festival de Cannes. A história, protagonizada por Ashley Judd, conta os dias atribulados de uma garçonete que escapou do marido abusivo. Vivendo num hotel de beira de estrada, ela entra numa pior ao conhecer um veterano da Guerra do Golfo, obcecado por insetos. Misturando os gêneros terror, suspense e ficção científica, foi um dos filmes mais comentados do certame francês.
O jornalista Rodrigo Fonseca, de O Globo, escreveu que “Desde que 'O exorcista' (The exorcist), 1973, jogou uma maldição sobre o cineasta, descarrilhando uma carreira oscarizada por 'Operação França' (The french connection), 1971, o nome Friedkin é, constantemente, sinônimo de fracasso. No entanto, a 'bagaceira' história de amor entre uma garçonete e um ex-combatente traumatizado, pode devolver ao cineasta um prestígio há muito tempo perdido.”
Friedkin tem pelo menos três filmes bons nesse período de “fracassos” que o crítico menciona: O comboio do medo (Scorcerer), 1977, Parceiros da noite (Cruising), de 1980 e Viver e morrer em Los Angeles (To live and die in L.A.), de 1985. Em 1972, logo após o sucesso de Operação França, ele junta-se aos colegas Francis Coppola e Peter Bogdanovich e fundam a Director's Company, que não vai muito adiante. Friedkin era visto como o "menos talentoso".
Friedkin decidiu ser cineasta depois que assistiu ao clássico Cidadão Kane (Citizen Kane), de Orson Welles. Dirigiu vários programas para televisão antes de estrear no cinema com Good Times, em 1967, onde lançou a cantora e atriz Cher. E na sua filmografia de quase 30 títulos, teve a coragem de levar para a tela a comédia dramática com personagens homossexuais Os rapazes da banda (The boys in the band), o que não era muito comum na Hollywood de 1970. Voltou a abordar o tema no citado "Parceiros da noite. Mas Friedkin sempre será lembrado pelo clássico do terror sobrenatural O exorcista, que considero o filme mais assustador de todos os tempos.
Dois trabalhos recentes sobre o cineasta revelam suas qualidades e as motivações internas para dirigir filmes: a autobiografia The Friedkin Connection: A Memoir, lançada em 2013, onde de uma forma admiravelmente honesta conta sua saga no cinema, e o documentário Leap of Faith : William Friedkin on The Exorcist, de Alexandre O. Philippe, 2019, um ensaio cinematográfico lírico e espiritual sobre o seu filme mais famoso, explorando as profundezas da mente do diretor, as nuances do processo de filmagem e os mistérios da fé e do destino que moldaram sua vida e filmografia.
William Friedkin faleceu hoje, aos 87 anos. Seu último filme, The Caine Mutiny Court-Mar, um típico drama de tribunal, está previsto para estrear no Festival de Veneza, no final deste mês.
Dentro do esquema do cinemão industrial de Hollywood, William Friedkin não cometeu esses fracassos que apontam nem é o menos talentoso de sua geração.
Na foto, o diretor demonstrando um susto para Linda Blair no set de O exorcista. 

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