segunda-feira, 14 de agosto de 2023

a última estação do menestrel


13 de julho de 2023. Dentro de um uber sigo com o cantor e compositor Eugênio Leandro para o Bar Estação Benfica, em Fortaleza. Uma quinta-feira, um pouco mais de 19h...
Sentamo-nos a uma mesa na esquina ali mesmo na calçada, onde o Estação já é num cruzamento de duas ruas no bairro que dá nome ao bar. Peço uma caipirinha, Eugênio uma cerveja. Chega o amigo compositor Raimundo Cassundé, ainda usando uma máscara da pandemia, que a todo instante desce paro o queixo e sobe de volta explicando ao Eugênio que lhe sugere numa pergunta: “Por que não tira logo essa máscara?”. “Eu tenho aqui duas cirurgias no coração, tenho comorbidade, tenho de ter cuidado”, diz, riscando o peito com o dedo pela camisa aberta entre dois botões.
E começamos a conversa. Literatura, música, política, vida... Ele pede um copo à garçonete para uma cerveja. Rejeita uns petiscos de berinjela com fatias de pão que Eugênio pedira."'Brigado, não gosto de berinjela, tem um gosto muito esquisito".
E do nada, ou de tudo, nem sempre se sabe por que alguns assuntos aparecem numa mesa de bar, Cassundé passa a falar dos bares ali do bairro. Fechou aquele, não existe mais aquele outro, e aquele perto da praça tá fraco. Foi a deixa pra eu elogiar uma composição dele que conheci através do vídeo publicado pela amiga em comum, Andréa Oliveira.
- Qual? - Pergunta, franzindo a testa para mim e Eugênio. Lembro que ele cantava em duo com Carú Lina.
- Ah, Nos bares do Benfica, esse é o título, justamente - E começa a cantarolar, fazendo percussão com os dedos numa caixinha de fósforo invisível:
“Quando eu me sinto down e nada justifica,
procuro um happy hour nos bares do Benfica...”
E vai me explicando cada verso, o que lhe inspirou, etc etc etc. Abstraí a música à capela e não conseguia parar de refletir, entre a admiração e o lamento, o quanto Raimundo Cassundé é um grande compositor na música cearense, o quanto ele é um de tantos por este Brasil afora, anônimos, sem reconhecimento, sem projeção.
Abstenho-me de considerações sobre o que levou Cassundé, o grande professor universitário que foi, além de grande artista, a chegar aos 73 anos como a sombra de um menestrel pelas ruas noturnas do Benfica. Ninguém sabe o que há por trás das canções. Meu olhar que o ouvia, só o admirava e o reverenciava.
13 de agosto de 2023, Dia dos Pais. Final de noite de um domingo. Leio na página do jornalista Nelson Augusto no Facebook, a notícia da morte de Cassundé. Procuro o vídeo para reencontrá-lo neste exato um mês depois. A simetria do tempo trazendo mais um heterônimo da saudade, mais uma ausência para se conviver nos bares do Benfica.
Acima, o vídeo. Na arqueologia virtual de um tempo recente, a poesia do compositor, a bela voz de Carú Lina, o violão de Rogério Lima, e a câmera casual do cantor e compositor Zé Rodrigues registrando um ensaio para show em tributo ao Cassundé, pelos seus 69 anos, em 2019, que aconteceu no Gentilândia Bar.

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