fotos Ricardo Moura / Nirton Venancio
Assim se definia o cordelista, xilogravurista e agricultor paraibano José Soares da Silva, conhecido como Mestre Dila. Falecido no final de 2019, aos 82 anos, em Caruaru, o artista é considerado Patrimônio Cultural de Pernambuco, estado para onde mudou-se ainda criança.
Em seus trabalhos, Dila contou lendas, mitos e as aventuras de personalidades nordestinas, como padre Cícero, sempre misturando o que foi com o que poderia ter sido, o cotidiano com o imaginário, o sertão com o realismo fantástico. O sonho de um romeiro com o padre Cícero Romão, segundo os pesquisadores o seu cordel mais vendido, conta a história de um devoto que a caminho de Juazeiro do Norte, adormece sob uma árvore e sonha com padim Ciço anunciando coisas boas antes de terminar a romaria.
Nas feiras, Mestre Dila tinha o hábito de cantar o que escrevia, atraindo multidões pelo seu jeito simples e carismático. Espirituoso, dizia que havia enfrentado cangaceiros, era dono de uma fábrica de aviões a jato, fora “governador” da Itália, era parente longe de Mussolini e tinha dado conselhos e uns cascudos naquele desavergonhado para ele tomar prumo na vida. Mesmo com a cara séria imprimindo essas histórias, todos se divertiam com os absurdos.
Preferia fazer as xilos para seus livrinhos de cordéis, dizia que só ele sabia traduzir o sentimento de seus versos ao talhar a madeira. Criou uma marca em seu trabalho, estendendo suas gravuras para rótulos de cachaça, livros e remédios. Tinha como característica humanizar os bichos. Em um de seus quadros mais famosos, Preguiça, o artista manteve os membros com os dedos de garras longas do lento mamífero, mas o rosto é de um homem. Era uma forma de manter os seres vivos todos com a mesma importância e beleza.
Na exposição Movimento Armorial – 50 Anos, que começou em outubro do ano passado e terminou hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, Mestre Dila é um dos artistas integrantes da história do movimento criado pelo grande Ariano Suassuna, que propunha a união das raízes nordestinas com a cultura erudita. O multicolorido de festas populares, do maracatu, dos reisados, se harmoniza com o preto e branco das xilogravuras. São mais de 140 obras divididas em três ambientes, um longo painel lúdico e fascinante de artistas como Francisco Brennand, J. Borges, Gilvan Samico, Aluísio Braga, Zélia Suassuna, Lourdes Magalhães, todos ali guiados pela vivacidade de Ariano, aquele que em 2014 com seu linho branco partiu ao encontro da Onça Caetana, como ele chamava a morte.
Fotografei o quadro do bicho-preguiça, que estava ao lado dos emoldurados tamanduás, cascavéis, tatus, bois, cabras - essa linda bicharada que Mestre Dila deixou pastando sob o céu do Nordeste que nos protege.
A benção, mestre e amigo.
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