quinta-feira, 31 de outubro de 2019

ser gauche na vida

"Minha motivação foi esta: tentar resolver, através de versos, problemas existenciais internos. São problemas de angústia, incompreensão e inadaptação ao mundo”.
- Carlos Drummond de Andrade ao jornalista Geneton Moraes Neto, em sua última entrevista, publicada cinco dias após sua morte, no caderno Idéias, do Jornal do Brasil, em 22 de agosto de 1987.
Em 1994, o jornalista, falecido há três anos, publicou Dossiê Drummond, Editora Globo, com a entrevista completa, em uma apresentação mais abrangente, reprodução de um artigo de Paulo Francis à guisa de introdução, fragmentos de poemas como um diálogo do poeta com o entrevistador, fotos, um posfácio e índice onomástico.
O livro, pela preciosidade da derradeira conversa, torna-se uma espécie de "biografia poética" do confidente itabirano.
Hoje, 117 anos de seu nascimento.

pálpebras de neblina

Federico Fellini dirigindo os espíritos em Satyricon, 1969.
A adaptação da atmosfera onírica, o sonho descontínuo do clássico livro de Petrônio, do distante século I.
Em março de 1993 o cineasta recebeu o Oscar de Honra pelo conjunto de sua obra.
Em 30 de outubro do mesmo ano comemorou cinco décadas com a atriz Giuletta Masina, sua esposa.
No dia seguinte aos festejos, dormiu para sempre.
Cinco meses depois Giuletta torna-se "vídeo de uma outra luz." *
O cinema tornou-se um sonho descontínuo.
* verso, assim como o título da postagem, da canção Giulietta Masina, de Caetano Veloso, gravada no disco de 1987.

o Saci contra-ataca

Halloween, evento tradicional dos países anglo-saxônicos, com especial relevância nos dominadores Estados Unidos.
Nossa identidade cultural é o moleque Saci Pererê, que se comemora hoje, 31.
O personagem mitológico foi criado pelos índios da região sul do Brasil no fim do século 18, e morando na mata, é guardião das plantas sagradas que utiliza para fazer remédios curativos.
As bruxas do Tio Sam só sabem assustar e nos roubar doce e guloseimas.

dia D

foto © João Machado

No aniversário hoje de 117 anos de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, e diante o tempo sombrio em que vivemos e a ameaça do que virá, ouso uma colagem de versos de dois poemas, Consolo na praia e Poema da necessidade, respectivamente publicados nos livros Rosa do Povo, 1945, e O Sentimento do Mundo, 1940.
Vamos, não chores.

À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

É preciso viver com os homens,
é preciso não assassiná-los.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.

Mas a vida não se perdeu.
Mas o coração continua.
É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus.


quarta-feira, 30 de outubro de 2019

noviço rebelde

Galos, noites e quintais, de Belchior, foi gravada inicialmente por Jair Rodrigues, no disco Minha hora e vez, 1976, um sucesso radiofônico do cantor consagrado desde sua envolvente parceria com Elis Regina no programa O Fino da Bossa.
Em 1977, Belchior grava a canção no LP Coração selvagem, terceiro e um dos seus mais expressivos discos em letras e melodias. A versão do autor, com os arranjos da bateria pulsante de Pedrinho Batera, os riffs progressivos do guitarrista João Paulo, o moog dinâmico de José Roberto Bertrami, dão a música um ritmo pop, um rock emergente em seus três acordes.
Segundo pesquisa de Jotabê Medeiros para a biografia Belchior – Apenas um rapaz latino-americano, 2017, o cantor iniciou a composição no começo dos anos 60, no Mosteiro dos Capuchinhos, em Guaramiranga, região serrana no Ceará. Belchior ainda não tinha 25 anos de sonho, de sangue e de América do Sul. Mas por força daquele destino, chamava-se frei Francisco Antônio de Sobral.
Aplicado nos estudos de filosofia, teologia e latim, o noviço Belchior foi um atento observador da situação política do país. Um golpe civil-militar tomou o poder pouco antes. A letra de Galos, noites e quintais, reflete poeticamente a situação sombria que se instalava e que se estendeu por mais de 20 anos. Na foto abaixo, a Ordem Menor dos Capuchinhos recebe visita de Castelo Branco. O tempo umbroso personificado no presidente-marechal, seu conterrâneo.
Entre a saudade, ou um certo banzo sertanejo, do seu tempo e geografia (“eu era alegre como rio / um bicho, um bando de pardais”), quando podia decidir livremente sua vida (“quando eu ganhava esse mundo de meu Deus”), até mesmo quando a dor doía em paz (“quando adoçava o meu pranto e o meu sono / no bagaço de cana de engenho”), Belchior denuncia a gravidade de um governo ditatorial (“mas veio o tempo negro e a força fez comigo / o mal que a força sempre faz”), mas não se desloca do presente, e mesmo tendo o olhar lacrimoso, manifesta consciência crítica como cidadão e artista (“não sou feliz, mas não sou mudo / hoje eu canto muito mais”).
E naquele chão hodierno, sitiado em uma realidade, o compositor faz uma analogia inversa e irônica, ao lembrar que antes andava “por entre as fileiras do milho verde que ondeiam”, insinuando que então o tempo passara para o alinhamento do verde militar no comando do país. Até o canto dos galos nas noites dos quintais ("quando havia"), foi trocado pelo despertar das cornetas, e a “saudade do verde marinho” sugere que o mar virou sertão.
Em 1966, após três anos de vida monástica, Belchior abandona a pesada vestimenta franciscana e o corte de cabelo “tijelinha”. “Não tenho vocação para a vida religiosa”, disse ao seu superior, frei Pacífico. “Pois então pode ir”, concordou.
Galos, noites e quintais é uma canção atualíssima, em grito, despertar e resistência.
Hoje, dois anos e seis meses que Belchior não morreu e canta muito mais.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

poema de resistência

E então, que quereis?..., de Vladimir Maiakovski, 1927
Em Maiakovski — Antologia Poética, Editora Max Limonad, 1987

cartas de resistência

"E tem o seguinte, meus senhores: não vamos enlouquecer, nem nos matar, nem desistir. Pelo contrário: vamos ficar ótimos e incomodar bastante ainda."
Trecho de uma carta de Caio Fernando Abreu a sua amiga Jacqueline Cantore, em 1° de novembro de 1981.

O escritor gaúcho foi um missivista compulsivo. De sua Olivetti Lettera 44, datilografou uma infinidade de cartas, com forte essência poética, dos mais variados e cotidianos assuntos, de fatos comezinhos a reflexões existenciais e filosóficas. Escritores, atores, cantores, amigos eram os destinatários.
O poeta, curador literário e professor da UFRJ Ítalo Morriconi, numa pesquisa minuciosa, reuniu dezenas dessas cartas, juntamente com escritos de cartões postais, bilhetes, e publicou em 2002 o livro Caio Fernando Abreu: Cartas, com mais de 500 páginas, o que nos dá com a narrativa fragmentada uma espécie de um romance de vida, de fôlego combativo e resiliente.
Caio Fernando Abreu, falecido em 1996, aos 47 anos, viveu em período brabo de ditadura militar, foi um dos primeiros a escrever abertamente sobre sexo numa visão dramática, e assumiu sem rodeios sua homossexualidade.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

da cor do sonho

Em 1980 a cantora, compositora e jornalista Mona Gadelha lançou o livro Contagem Depressiva, feito artesanalmente, na raça, ilustrações de Mino, com impressão gráfica rústica, rascante feito um rock, e uma tiragem limitada como uma estrela que risca o céu e temos que fazer um pedido. Na capa, uma foto sua, a menininha Simone Mary Alexandre Gadelha.
Inspirado num verso do poeta niteroiense Ricardo dos Anjos, o trocadilho do título provoca reflexões, ou inflexões, existenciais. Bem característico de uma certa época de inquietações em nossas vidas. Os desassossegos aos poucos entram no prumo ou sucumbimos de vez. Os oito contos confessionais na contagem dessa moça bonita, narrados em primeira pessoa como um blues pulsante, dissecam amores, desamores, esperanças... “afinal que situação existe entre a solidão e o desespero?”, pergunta a uma certa altura e queda.
Eu que já via Mona (en)cantar nos shows, eu que ouvia Mona cantar no disco Massafeira, eu que reouvia Mona como uma Patti Smith no calor de Fortaleza, depois do livro estampei e admirei Monamusa na cena musical cearense.
A história do rock, do blues e das canções cearenses não passa por ela: está nela. Nos anos 70, 80, as emoções perigosas de quem fazia música na contramão dos bons costumes do lugar, tinham em Mona a postura e o comportamento feminino de quem pinta com talento e ousadia a cor do sonho que a música traz. Do compacto simples de 1985 que falava de um tédio ancestral e perguntava se o céu era azul, aos seis discos CDs que mapeiam com canções os sentimentos mais ternos, é muito mais que uma discografia ao longo desse tempo, é uma geografia afetiva na música brasileira.
E na contagem crescente do tempo nos tornamos amigos, um ali colado no coração do outro, um ali confidenciando suas dores nos momentos mais precisos, um ali somando esperanças no futuro mais urgente. E o meu encanto com o livro de 1980 tem simetricamente o enlevo três décadas depois, quando gravou meu poema Ventania, musicado por Ricardo Augusto, no disco Cidade blues rock nas ruas, em 2013. A interpretação deu uma outra dimensão aos versos. A gravação tatuou sonoramente a afeição, a estima, o apreço que nos une. O vento forte da vida nos mantém nessa praia lírica da amizade.
Hoje é seu aniversário, minha linda querida amiga, Parabéns pelo seu dia todos os dias!

domingo, 27 de outubro de 2019

a palavra precisa

Em um trecho da entrevista ao jornalista Joel Silveira, na Livraria José Olympio, no Rio de Janeiro, em 1948, Graciliano Ramos disse, sobre o ofício de escrever, que "a palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer".
Essa e muitas outras entrevistas, com enquetes e depoimentos, estão reunidas no livro Conversas: Graciliano Ramos, organizado por Thiago Mio Salla e Ieda Lebensztayn, publicado pela Editora Record, em 2014. Os autores compilaram um riquíssimo material de 1910 a 1952, dando um painel da vida pessoal, intelectual e política do escritor alagoano.
A precisão da palavra na obra Graciliano Ramos é definição desse pensamento pontuado na entrevista.
Graciliano está para a prosa assim como João Cabral de Melo Neto para a poesia. A síntese da palavra, a palavra certa na síntese, é o ouro verdadeiro que brilha em seus livros. A secura de sua literatura não é aridez, é concisão, é métrica em diálogos, é a dissecação dos sentimentos dos personagens e desenho definido dos conflitos, sem rodeios, a fundo. Graciliano é um minimalista do sertão, se destitui de excessos para fixar no âmago. Por isso sua palavra diz.
Vidas secas, publicado em 1938, por exemplo, é uma espécie de romance-haicai, pelo texto e os diálogos sincopados. E essa objetividade e determinismo do escritor, faz o leitor partícipe do destino daquela família de retirantes.
Assim como o romance citado, todos os livros de Graciliano têm essa beleza e esse olhar determinado da escrita. São Bernardo, Angústia, Caetés, Insônia, os memorialistas Infância e Memórias do cárcere, tudo, até mesmo a bela obra de correspondências, Cartas de amor à Heloísa, é de um esplendor poético impressionante pelo rigor das palavras.
Hoje 127 anos de seu nascimento.

eu me lembro

Fantástico, onírico, nostálgico e memorialístico, Federico Fellini concebeu em Amarcord, 1973, um dos mais fortes libelos cinematográficos contra o fascismo. Autobiográfico, o cineasta ambienta seu delírio e expurgação nos anos 30 da Itália devastada pela figura pústula de Mussolini, pela moral repressora e destrutiva.
Na história, o personagem Titta é o alter ego do diretor. Mas todos os personagens que lhe rodeiam e habitam o passado nessa depuração de revogação nostálgica, são Fellinis. Mesmo não tendo tragédias sérias na família, o cineasta tomou posição e dizia que o fascismo aprisionou os italianos em uma adolescência perpétua de pesadelos, pelos tempos opressivos que viveram.
O cinema o acolheu para espantar os fantasmas.

sábado, 26 de outubro de 2019

canto buliçoso

fotos Maurício Albano
Por volta de 1969, Belchior iniciou a composição Aguapé. A inspiração foi o poema A cruz na estrada, de Castro Alves, escrito por sua passagem em Recife, em 1865, e publicado em seu terceiro livro, Os escravos, 1883.
O cantor cearense colocou um trecho da obra do poeta baiano, como epígrafe:
“Companheiro que passas pela estrada / seguindo pelo rumo do sertão / quando vires a ‘casa’ abandonada / deixe-a em paz dormir / na solidão. / Que vale o ramo do alecrim cheiroso / que lhe atiras no ‘seio’ ao passar / vai espantar o bando, o bando buliçoso / das ‘mariposas’ que lá vão pousar”.
Na transposição, Belchior, com compreensível licença poética, trocou do original “a cruz” por “a casa”, “nos braços” por “no seio” e “borboletas” por “mariposas”.
A música foi gravada inicialmente em 1979, no LP Soro, projeto de Raimundo Fagner, que participou da faixa com Belchior, cantando e tocando viola e violão.
No ano seguinte, em seu sexto álbum de estúdio, Objeto direto, Belchior grava novamente Aguapé (disponível aqui), repetindo o duo com Fagner, e acrescentando, logo na abertura, trechos do conto A madrasta, do escritor e pesquisador sergipano Silvio Romero, publicado no livro Contos populares do Brasil, de 1885:
“Capineiro de meu pai / não me corte os meus cabelos / minha mãe me penteou / minha madrasta me enterrou / pelo figo da figueira que o passarim beliscou”.
O canto é belíssimo, num lamento sertanejo entoado por Belchior, Fagner e uma discretíssima participação de Fausto Nilo. E em alguns momentos do arranjo do maestro P. C. Wilcox, alinhavando-se com viola, triângulo e acordeom, trecho do Canto Gregoriano Salmo dos Exilados.
Ao contrário do poeta abolicionista Castro Alves, o trecho de Silvio Romero não está creditado no encarte.
Aguapé é uma das mais belas composições de Belchior, que hoje faria 73 anos de sonho, de sangue, e de América do Sul.

Belchior, 73

foto Mário Luiz Thompson
Belchior aos 28 anos na capa de seu primeiro LP, Mote e glosa, 1974.
Ele teria hoje 73 anos de sonho e de sangue e de América do Sul.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

dois poemas e uma canção

Poemas do meu livro Poesia provisória, inseridos no capítulo Coração sitiado, musicados por Alan Morais.
Como os poemas de cada parte das quatro (ser-poeta, existencial, verbo amar, ser-poesia) seguem uma mesma narrativa temática, e os capítulos o fôlego único de dúvidas, dores, perplexidade e encanto, Alan uniu duas letras de lembrança e erotismo lírico em uma só melodia.
O experimento com os afluentes de poemas Alan fez anteriormente com Lunar e Fase única, uma das faixas do seu EP que será lançado no final de novembro em Fortaleza.
DJ mago nas pick-ups, com a destreza de tocar os dois vinis, o compositor “mixou” analógica e afetivamente dois poemas em uma canção.
Editado de forma independente, através da Editora Radiadora, 2019, o livro encontra-se à venda na Livraria Lamarca e Embaixada da Cachaça, em Fortaleza, Livraria Pensar, em Sobral-CE, ou diretamente com o autor, in box nesta página.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

choro da clarinete

E a 'indesejada das gentes' levou neste começo de noite de quinta-feira o grande clarinetista cearense Giltacio Santos...
Professor de música, querido por todos da cena musical em Fortaleza, Giltacio tinha apenas 32 anos.
Ouvindo seu chorinho, choramos todos, caro amigo...
Acima, foto de Olivier Lob, em Auberge de Jeunesse HI Lille, França

lá vai uma vela aberta

“Por muito tempo tentaram nos estigmatizar com essa corrente, restringir o nosso público, sendo que, aonde vamos, o teatro lota, com pessoas da minha geração e uma juventude muito curiosa e ávida”, disse o compositor e cantor Walter Franco, em entrevista ao site O Tempo, há dois anos.
O artista referia-se ao título de “maldito”, que a imprensa rotulou nas décadas de 70 e 80, colocando no mesmo escaninho das redações, ou no mesmo bloco na rua, Sérgio Sampaio, Macalé, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção...
À época da entrevista, Walter Franco estava numa movimentação de shows, num clima de “redescoberta” quando completou 70 anos, em 2015. Seu último disco de estúdio é “Tutano”, de 2001, e o primeiro em formato CD. Suas obras máximas, Ou Não, Revolver, Respire Fundo, Vela Aberta, são da década de 70, e mais Walter Franco, 1982. Mesmo sem gravar há quase vinte anos, Walter Franco nunca parou, dizia que era de uma “geração que não tem pressa nem demora”, estava sempre no momento de plugar as canções, e afirmava que no tempo “não coloco prazo para nada, as coisas nunca estão na prateleira, prontas.”
Esse pulsar de Walter Franco, essa forma de ser e estar, se expressa visivelmente em suas composições, nas letras minimalistas, mas de mergulho profundo, lentamente profundo, na concisão de um haicai, que diz muito num piscar de olhos ao ouvido e coração.
Ao renegar o carimbo de “maldito”, Walter Franco está mais para a vanguarda, que foge do óbvio, do lugar-comum da mesmice institucionalizada. O eterno se faz a partir de pequenos gestos, de momentos inesperados e não programados.
Filho do poeta, radialista e vereador socialista Cid Franco, Walter homenageou o pai musicando quatro poemas. A parceria mais conhecida é Vela aberta, gravada no disco homônimo, em 1979, com arranjos do pianista Eduardo Assad e participação do guitarrista dO Terço, Sérgio Hinds. Cid foi perseguido e cassado pela ditadura militar, morreu em 1971, bem antes de ser anistiado.
Walter Franco faleceu hoje aos 74 anos. Sofreu um AVC no começo do mês. O filho, Diogo Franco, anunciou que o pai “partiu tranquilamente” – uma alusão de saudade e perenidade a sua canção que diz que “tudo é uma questão de manter / a mente quieta / a espinha ereta / e o coração tranquilo”.
Em 2000, Bel Bechara e Sandro Serpa realizaram o poético documentário Walter Franco Muito Tudo, premiado em É Tudo Verdade - Festival Internacional e Festival de Londrina.

Acima, Walter Franco em show no Centro Cultural São Paulo, 2015. Foto, Jairo Lavia

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

ensaio sobre a cegueira


tempo certo

"Nenhum artista está adiante do seu tempo. Ele é o seu tempo; o que acontece é que os outros estão atrasados no tempo."
- Martha Graham (1894-1991), bailarina e coreógrafa norte-americana.
Revolucionou a história da dança contemporânea. Os críticos dizem que ela está para a dança como Picasso para a pintura e Stravinsky para a música.
Acima, a artista fotografada por Barbara Morgan durante a apresentação de Celebration, New York's Guild Theatre, 1934.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

um homem e seus tempos

Quando o século mudou para 1900, Oswald de Andrade tinha dez anos de idade. A passagem de um tempo para outro mexeu muito com a cabeça daquele menino curioso, filho único de uma abastada família paulistana.
A mudança de um ano para o outro sempre impressiona, é como se dobrássemos uma esquina e o tempo seria outro totalmente diferente, muito além do que destacar uma folhinha no calendário. Imagine, então, a mudança de um século!
Oswald de Andrade cresceu com esse espanto. E cresceu em um tempo cheio de mudanças. O adolescente Oswald viu a chegada do bonde elétrico, do rádio, da propaganda, do cinema. O mundo em ebulição. E em ebulição a cabeça daquele jovem que viria mudar muita coisa na literatura brasileira.
A Semana de Arte Moderna de 1922, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, o Manifesto Antropófago, o Modernismo no Brasil: tudo é sinônimo de Oswald de Andrade.
Há 65 anos, hoje, que ele mudou-se para outras semanas...
Acima, foto da exposição Oswald: culpado de tudo!, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, 2011.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

conselho de amigo

"Aproveita esse bando de saudades que se agitam em teu espírito".
- Esse é o conselho que Graciliano Ramos dá a um amigo que desabafa suas dores e quer escrever poemas.

O trecho está no livro póstumo Cartas, publicado em 1980, pela Editora Record. Nele estão cartas enviadas pelo escritor alagoano a amigos e familiares, no período de 1910 a 1952.
A leitura proporciona uma relação íntima entre o autor e o leitor, numa curiosa simetria entre o missivista e seus destinatários.
A respeito do amigo poeta que tem um "bando de saudades" no peito, Graciliano reforça dizendo: "espero que me mandes em breve uma chusma de sonetos"...
Deve ter mandado. Saudade dá muita poesia.

domingo, 20 de outubro de 2019

palavras de um leitor

"A melhor surpresa deste ano é ‘Poesia provisória’, de Nirton Venancio. Eu não encontrei neste ano, de todos os livros de poesia que já li, um que chegasse perto da preciosidade desse ‘Poesia provisória’. Não tem um poema menor! É de uma felicidade impressionante. E também de uma consciência... a gente percebe que o poeta não está tateando, não, ele sabe, conhece o seu ofício e foi lá e escreveu. Esse é um dos livros que eu tenho absoluta certeza - eu sei como é a dificuldade, se publica... ele foi muito falado, mas não foi falado o suficiente – que ficará na literatura cearense, daqui a 50, 60, 70 anos... na literatura brasileira, esse livro terá que ser referência obrigatória, não tem jeito. É de uma coisa impressionante esse livro.

Depois desse livro, o que pode chegar próximo seria 'Romeu e Julieta no Brasil', de Rossini Corrêa, que foi uma surpresa, e o último do Wilson Pereira, 'Vento, Cavalo do Tempo', que também é bom, mas não como o do Nirton. O do Nirton, simplesmente, é algo que fica à parte em termos de poesia com P maiúsculo."
- José Anchieta Oliveira
Caro amigo, nestes tempos distópicos, com essa nuvem sombria do retrocesso sobre nossas cabeças, quando a arte sofre os mais terríveis ataques, é gratificante receber elogios que nos estimulam, incentivam e nos colocam resistentes. Esses canalhas que estão no poder, detestam poesia, tudo que liberte, tudo que faz a alma sorrir. Continuemos incomodando.
Hoje é o dia do poeta. Grato pelo presente.

a poesia no dia do poeta

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.

Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

― Manoel de Barros, Tratado geral das grandezas do ínfimo, publicado no livro homônimo, 2001

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

alto mar

foto Picfair Photography, Dalibor, Croacia
"Um barco está seguro no porto. Mas os barcos não são construídos para isso."
- John A. Shedd (1859-1928), escritor norte-americano, em seu livro Sal do meu sótão, aforismos,1928.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

inéditos de Kafka

Quando Franz Kafka morreu, em 1928, aos 41 anos, seu amigo e também escritor Max Brod, tornou-se seu biógrafo e testamenteiro. Organizou e publicou muitos de seus escritos, entre eles Amerika e Narrativas do espólio. É dele Franz Kafka, a biografia, publicada em 1934 e reeditada quarenta anos depois.
Poucos, pouquíssimos conheceram tão bem o escritor tcheco quanto Max Brod. Há quem o considere um canalha traidor, porque Kafka o pediu, no leito de morte, que queimasse seus papéis pessoais e obras incompletas, por considerar sem muita qualidade.
Max Brod prometeu mas não cumpriu. E a "traição" trouxe à Literatura obras como O processo e O castelo. Obras que muitas vezes foram lidas, nos originais, pelo autor ao amigo e alguns poucos mais chegados. Kafka era de uma timidez patológica, e Max Brod não descansou enquanto não publicou os inéditos e lhe dedicou uma biografia.
Max Brod morreu 40 anos depois de Kafka, no final de 1968, em Tel Aviv, Israel, onde morava.
Com ele ficaram mais de 40 volumes com documentos, cartões postais e objetos pessoais do escritor. Relíquias que não foram levadas a público, e que continuaram em segredo nas mãos da secretária de Brod, Esther Hoffe.
Essa senhora faleceu em 2007, aos 101 anos de idade, lá mesmo em Israel. Foram outros cabalísticos 40 anos após a morte do patrão.
Estudiosos de Kafka temiam pelo estado físico desse tesouro. Esther Hoffe morava em um apartamento úmido, mal cuidado, ao lado de cachorros, gatos, e quem sabe, baratas kafkanianas. Nada mais irônico.
O patrimônio literário ficou sob responsabilidade da filha, Eva Hoffe, que faleceu ano passado, aos 85, e agora a National Library of Israel é guardiã dessa raridade, sobrevivida aos processos de metamorfoses.
Acima, Jeremy Irons em Kafka, de Steven Soderbergh, 1991

terça-feira, 15 de outubro de 2019

o professor

“Não basta saber ler que 'Eva viu a uva'. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”
Admirável pensamento do mestre Paulo Freire, no raciocínio da simplicidade de uma fábula, em A Educação na cidade, 1991, coletânea com entrevistas após ter assumido a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1989 - 1990).
O sociólogo e pedagogo, patrono da Educação brasileira, ameaçado nestes tempos sombrios de fascismo, nos mostrou as uvas e que não estariam verdes.
Acima, painel Paulo Freire, autoria de Luiz Carlos Cappellano, 2009,
exposto no Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional Prof. Milton de Almeida Santos, SME, Campinas, SP.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

porto

foto Picfair Photography, Dalibor, Croacia
"O mundo não está interessado nas tempestades que você encontrou. Ele quer saber se trouxe o navio."
- William McFee, escritor inglês

domingo, 13 de outubro de 2019

pontes e muros

“Ao longo das próximas semanas assistiremos a um combate entre construtores de pontes e construtores de muros. Pobre Brasil se os construtores de muros ganharem.
O Brasil, um país amado no mundo inteiro pela sua cultura, pela sua alegria e generosidade, não pode permitir que o ódio se alastre e triunfe.”

- José Roberto Agualusa, escritor angolano, residente em Portugal, em sua coluna no jornal O Globo, em 12 de outubro do ano passado.
Muito ligado ao Brasil, assim como o moçambicano Mia Couto, Agualusa morou por quatro anos entre Pernambuco e Rio de Janeiro. Quando esteve aqui para a terceira edição da Feira Literária Internacional de Maringá, em setembro de 2016, logo após o golpe, disse que “o triunfo da estupidez e da injustiça nunca deixa de me surpreender. O país foi sequestrado por um grupo de delinquentes.”
Infelizmente, no dia 28 de outubro, 2º turno das eleições, deu-se o vaticínio dos muros, ergueu-se a estupidez, e um grupo de delinquentes, milicianos e judiciário complacente, institucionalizou o sequestro do país.

a indesejada

Manuel Bandeira diz em seu poema Consoada que "quando a Indesejada das gentes chegar", ela, "encontrará lavrado o campo, a casa limpa, / a mesa posta, / com cada coisa em seu lugar."
E assim a iniludível o encontrou, num começo de tarde, em 13 outubro de 1968.

sábado, 12 de outubro de 2019

dia das crianças

Ágatha Vitória Sales Félix, 8 anos.
Todos os dias são seus, em nossa memória, em nossa dor, em nossa indignação, em nossa luta, em nossa resistência, em nossa esperança.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

bate outra vez

Há 111 anos nascia Cartola.
Há 111 que as rosas falam na música brasileira.

O mundo é um moinho, este país está um moinho, 'seu' Agenor, estão triturando nossos sonhos. Mas nosso coração sempre bate outra vez com esperança quando ouvimos suas canções.
A benção, mestre. Tiro minha cartola para você

83 tons de Zé

Há 83 anos o Zé está fora do tom da mesmice, na contramão da música pra pular brasileira.
Parabéns, eterno garoto do sertão de Irará.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

volver a los 27

Viver para contar, a autobiografia de Gabriel Garcia Marquez foi lançada em 2002, doze anos antes de sua morte. Publicou na sequência dois livros, Memória de minhas putas tristes, 2004, e Eu não vim fazer um discurso, 2010, este com claros traços biográficos ao reunir discursos escritos desde os 17 anos até completar 80.
Na autobiografia, o escritor colombiano relata o período de infância e juventude, até os 27 anos, em 1954. Neste recorte no tempo e na vida, e estruturado em oito capítulos, Garcia Marquez relata as cidades por onde viveu, de sua natal Aracataca, no litoral caribenho, à capital Bogotá; sua numerosa família de dez irmãos, a relação com seu avô materno, que contava histórias que o fascinava; seu trabalho como jornalista, que despertou a consciência política e os primeiros sinais de literatura na escrita; os livros e os autores que o influenciaram, de James Joyce a Pablo Neruda; as dificuldades financeiras e as conversas com os amigos, nas livrarias, as bebedeiras noite a dentro... e em todo esse painel de memória, a história da Colômbia, com suas guerras civis e mudanças de poder.
Como se fosse um primeiro volume, a biografia pode parecer frustrante por cobrir um curto período na vida de um dos maiores escritores da literatura mundial, autor de mais de 30 livros, Prêmio Nobel em 1982, contemplado com diversos títulos e condecorações. Mas os vinte e sete anos ali relatados e inventariados, dão o perfil, como um movimento seminal, do escritor e da obra que o consagrou.
A vida toda é um realismo fantástico.

o universo em seu canto

Taiguara foi o compositor mais censurado da música brasileira. 68 canções foram proibidas pelo regime militar nas décadas de 60 e 70.
Exilado na Inglaterra, gravou um disco nunca lançado no Brasil, Let the children hear the music, tornando-se o primeiro cantor proibido a produzir um trabalho no exterior à época braba de ditaduras na América Latina.
Em uma viagem à Fortaleza, encantou-se com uma sereia cearense numa praia ainda distante e compôs Maria do Futuro.
Taiguara partiu cedo, aos 50 anos. Ele nunca parava de ter esperanças, e por isso cantava. Hoje ele faria 74 anos de sonhos.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

entrevista

“Nesta terça-feira (08/10), às 20h, eu converso no Programa autores e Ideias, da Rádio FM Assembleia, com o escritor e cineasta Nirton Venancio , autor do lançamento: Poesia provisória publicado pela editora Radiadora.
O livro de poemas conta com prefácio de Carlos Emílio Correia Lima e ilustração de Fausto Nilo.

Ficou curioso? Então, sintonize FM 96,7
Na internet, acesse.
Perdeu o programa? Escute aqui.
Confira também a nossa reprise na sexta-feira, dia 11, às 23h."
Lilian Martins, jornalista
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Dia do Nordestino

foto © Tiago Santana
8 de outubro, Dia do Nordestino
A data, instituída pela lei nº 14.952, de 13 de julho de 2009, na cidade de São Paulo, foi escolhida em homenagem a dois nordestinos:
Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, poeta popular, compositor e músico cearense, pelo centenário de nascimento naquele ano.
foto © Acervo MIS-RJ
Catulo da Paixão Cearense, poeta, músico e compositor maranhense, autor da célebre Luar do Sertão, pelo aniversário de nascimento nesse dia.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

I'm lonely in London...

Caetano Veloso, 1971.
Terceiro álbum do baiano, gravado em Londres, e as músicas refletem bem o estado de espírito de um exilado naquela cidade cinza, longe de sua Bahia, de um Brasil dominado por uma ditadura militar, enfiando goela abaixo no povo um país tricampeão de futebol para abafar os gemidos no porão. Nada estava tão divino e maravilhoso.
As letras do disco são tristes, melancólicas, cheias de espanto e saudade. E de uma beleza poética e melódica singulares. London, London, a faixa mais conhecida, traduz bem o espírito de um artista saudoso. Caetano descreve, ou descreve-se, em um passeio pelas ruas da capital inglesa, "I'm wandering round and round, nowhere to go", vagando, dando voltas sem direção, sem ninguém pra dizer olá, "I know I know no one here to say hello", e a vontade de voltar pra sua terra faz com que imagine discos voadores que o levassem de volta, "while my eyes go looking for flying saucers in the sky".
A sua versão tão interiorizada de Asa branca, dos mestres Gonzagão e Humberto Teixeira, tem a mesma expressão dessa saudade de todos seus santos amaros, da risada de Irene, do abraço de Bethânia, do colo de Dona Canô.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

querido velho Chico

Francisco de Assis foi canonizado apenas dois anos depois da morte, em 1228, pelo Papa Gregório IX. Hoje a fé cristã celebra o instrumento de vossa paz.
Abaixo, flagrante do fotógrafo australiano Jim Frazier, 2015.
O pássaro azul pousa ao lado do pássaro da escultura e referencia o santo que falava com ele.
A magnifica obra é do escultor americano Frank C. Gaylord, 94 anos, e se encontra em Saints Peter and Paul Cemetery, Illinois, EUA.

come to me, honey

"Anything, baby, I can do for you / tell your mama, babe..."
Trecho da canção Tell mama, de Clarence Carter, que Janis Joplin cantou pela primeira ao vivo no Festival Express em Toronto, 1970, em reverência a sua "ídola" Etta James, que gravou no disco Tell Mama Chess, 1967.
A interpretação visceral de Janis foi incluída como bônus na reedição, em 2012, do disco póstumo Pearl, de 1971.
Na foto, a cantora e sua mãe Dorothy Lyn Joplin, 1943.
Hoje, 49 anos que ela não morreu.