terça-feira, 6 de agosto de 2019

os olhos de Toni

foto Timothy Greenfield-Sanders, 2013
No foto Timothy Greenfield-Sanders, 2013final dos anos 60, um grupo de poetas, contistas, cronistas, reunia-se na Universidade Howard, em Washington, para discutir literatura. Uma das integrantes, professora de Língua Inglesa, apresentou um conto sobre uma garota negra que sonha em ter os olhos azuis. O instigante tema reverberou em longos dias de conversas e serviu de base para o primeiro romance da autora, Toni Morrison, em 1970, então com 50 anos de idade e uma longa carreira acadêmica.
Os olhos mais azuis é uma obra de estreia de uma escritora que praticamente marcou, deu voz e vez à literatura negra norte-americana e ao ativismo político social. A escritora e educadora Toni Cade Bambara, falecida em 1995, possivelmente seja a primeira associação que se faça a sua xará. Bambara desenvolveu sua literatura em pontuais questões de consciência racial e feminismo.
A atuação da professora, filosofa e ativista Angela Davis é outro exemplo da importância da literatura e pensamento de Toni Morrison sobre o que os críticos apontaram como "feminismo pós-moderno", ao se referir à maneira como a escritora altera as dicotomias euro-americanas e reescreve a história contada pelos livros.
A citada primeira obra de Toni Morrison narra a trajetória de uma garota que queria ter os olhos de Shirley Temple, a atriz mirim hollywoodiana dos anos 30 que quando adulta tornou-se embaixadora em Gana e Checoslováquia. Pecola Breedlove, a personagem do livro, é uma menina negra e pobre. Sofre preconceito até mesmo de colegas na escola que têm a pele menos escura. A mãe trabalha para uma família branca. Nos aniversários ganha bonecas brancas com os olhos de Temple, canecas com o rosto de Temple, revistas com estampa de Temple. A cor negra é invisibilidade e deboche ao mesmo tempo e realidade. Aos doze anos de idade engravida, é banida da escola e afunda na loucura.
Os onze romances seguintes de Toni Morrison, além de peças teatrais, livros infantis, artigos, ensaios, toda sua obra, no fundo, no que tem mais anímico em sua criação literária, traz uma espécie de biografia de uma raça, um delirante e consciente desejo de luta, redenção e justa ascensão social.
Não à toa, Morrison foi a primeira escritora negra a receber o Nobel de Literatura, em 1993, como reconhecimento por "dar vida a aspectos essenciais da realidade americana”, como fundamentou a organização do Prêmio pela escolha.
Toni faleceu hoje aos 88 anos. Uma vida bem vivida em sua luta permanente, de olhos bem abertos.

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