
Uma mulher quer se livrar do marido opressor, machão, chato. Não por
acaso tem um amante, a quem pede para eliminá-lo de uma vez por todas da
vida dela, no caso, deles. Com um plano na cabeça, estende o pedido
para um soldado e barbeiro. Mas os três se negam a cometer o crime. Diante da recusa, a mulher resolve tudo sozinha.
O cenário dessa história é a pequena cidade Itaboraí, no Rio de
Janeiro, e se passa no começo dos anos 60. Foi levada para o cinema por
Paulo César Saraceni, em "Porto das Caixas", de 1962, seu primeiro
longa, com roteiro baseado na história original de Lúcio Cardoso, o
grande escritor mineiro que teve ainda outros livros adaptados pelo
cineasta, "A casa assassinada", 1970, e "O viajante", 1998, fechando a
chamada "trilogia das paixões". "Mãos vazias", seu romance de 1938, foi
transposto ao cinema por Luiz Carlos Lacerda, em 1971, um dos filmes que mais me impressionou na adolescência.
"Porto das Caixas", é um dos filmes seminais do movimento Cinema Novo.
Nessa época foi assinado o Manifesto Cinemanovista, juntamente com
Glauber, Alex Viany, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de
Andrade, Cacá Diegues, Ruy Guerra...
É um dos mais belos filmes
do cinema brasileiro. O clima da cidade do interior, a quietude e
decadência de fábricas paradas, um convento em ruínas, o barulho
enferrujado de uma estação de trem, um parque de diversões vazio, são
alguns elementos que dão grande força poética ao tratamento
cinematográfico de Saraceni, em que pese o enredo trágico da história.
A primeira vez que assisti a "Porto das Caixas", pareceu-me estar
diante de um exemplar neo-realista. A presença de Reginaldo Faria e Irma
Alvarez no elenco, a câmera de Mário Carneiro e os longos planos, a
música de Tom Jobim, realçam a composição de um cinema que ousava com
uma proposta diferente do que se via nas produções da Atlântida e Vera
Cruz.
Paulo César Sareceni foi embora ontem para outros portos, aos 78 anos.