A atriz Elena Anaya e Pedro Almódovar. Foto El Deseo S.A
“A pele que habito” (La piel que
habito), de Pedro Almodóvar, é um filme inquietante, bem realizado, mas o menos
Almodóvar do grande cineasta espanhol. Onde estão as cores de Almodóvar? Onde está o temperamento exuberante, o clima
viçoso, o vigor e a pulsação que tanto marcam e traçam seus personagens?
A construção de imagens e
narrativa frias, a ambientação clean,
tudo é condizente, fiel e exato com a história de um personagem, um cirurgião
plástico, que busca a perfeição da imagem e grafismo do corpo humano, e como um
Moderno Prometeu, um Victor Frankenstein high
tech, ou uma releitura de Mary Shelley com “o médico e a
bela que era o belo”, usa suas habilidades como um princípio supremo para atender
e saciar algo extremamente pessoal, um sentimento de vingança. Até aí, tudo
bem. É um roteiro, é uma boa trama, é um filme que já se viu – inclusive. Um
filme interessante que poderia ser assinado por um desses bem pagos cineastas
de estúdio que dirigiu Antonio Banderas em seu “exílio” hollywoodiano.
Banderas não filmava com Almodóvar desde “Ata-me”, de 1990, e volta justamente em
um filme delineado como um melodrama gélido, que mantém a mais remota distância
de “Tudo sobre minha mãe”, “Fale com ela”,
“Volver”...
É difícil não apontar referências
da autenticidade de um artista como Almodóvar, que sabe tão bem ir do
drama ao riso, do chique ao kitsch,
sem perder o tom, o escárnio e a poesia. Eu não consigo aceitar essa “subversão”
do cineasta com sua filmografia tão genuína e legítima com os temas que aborda.
As relações de poder (dominação sádica), as mutações sexuais (ela é ele),
as perversões (submissão masoquista), são proposições nessa nova película
que Almodóvar habita. Mas aqui ele não se reinventa: se ausenta. A cena final
ilustra bem isso. A mãe desconhece o filho Vicente no corpo de Vera, e não fala
com ele.