Foto: Eduardo Nicolau. Desenho: Mino Maccari
Entre dezenas de livros de Luis Fernando Verissimo, de crônicas, contos, novelas, romances, relatos de viagens, cartoons e quadrinhos, vou intencionalmente ao Banquete com os deuses, um saboroso conjunto de textos que tem o subtítulo de Cinema, literatura, música e outras artes, publicado pela Editora Objetiva, em 2003.
Esse livro tem uma particularidade em minha vida: foi lançado no mesmo ano em que minha filha nasceu. Eu curtia a felicidade diária da segunda paternidade e me deliciava com mais de 70 crônicas em que o autor dissertava minhas paixões por cinema, literatura e música.
Veríssimo embalava o meu deslumbramento pela magia de filmes e cineastas de minha predileção, de títulos e poetas que me guiaram, de músicas e compositores que me marcaram. Os textos sublinhavam descobertas, referências e construção na minha vida artística.
E assim, enquanto Veríssimo me embalava, eu acalentava o sono de minha filha. Leitura e pureza. Vida e vida.
Destaco, legendando meu fascínio, trechos da crônica Fellini, página 25:
“A paisagem italiana emoldura as poses de seus artistas e reflete suas caretas com cândida cumplicidade”.
“Fellini é mais italiano dos diretores italianos. E o mais divertido”.
“Fellini não filma fora da Itália porque sabe que um minuto longe do espelho arruinaria sua imagem”.
“O que interessa a ele é a superfície dócil, a seu serviço, a maneira como o jogo de luz e sombra contra aquela parede romana realça o seu perfil, ou como a fotogênica solidão desta rua provinciana evoca um seu estado de espírito na adolescência”.
“Quase todos os filmes de Fellini têm cenas de furor místico, filmadas invariavelmente com brio e ânimo vingativo. A procissão em A estrada da vida. A visita ao santo milagroso de Cabiria e seus amigos. As sessões com os espíritos de Julieta. A romaria ao local da aparição em A doce vida.
“Já houve angústia existencial mais fotogênica, mais glamourosa, mais atraente do que a de Marcello Mastroianni em A doce vida e Oito e meio?
“O cinema é a arte dos sentidos. Não do intelecto”.
Luis Fernando Veríssimo partiu na madrugada deste sábado, aos 88 anos. Dois algarismos que agora deitados simbolizam o infinito duplicado em obra e genialidade.
Minha filha hoje se fascina com literatura e cinema, Veríssimo e Fellini. A arte e seus sentidos na simetria da vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário