Muitos escritores erguem desenhos urbanos, como metáforas que traduzem a relação das pessoas com os lugares. Italo Calvino em sua obra máxima As cidades invisíveis, arquitetou a geografia afetiva de mais de cinquenta espaços que enunciam as condições e inquietações humanas, como memória, crenças, esperança, velhice, morte.
Sousa sedimenta em sua alma litorânea um burgo muito mais distinto do que Pasárgada, onde Bandeira era amigo do rei e escolheria uma mulher; urbe mais eterna que Itabira que se tornou apenas uma fotografia na parede e como doía em Drummond; aldeia muito mais polida do que Macondo, onde García Márquez viveu sua solidão centenária. A cidade do poeta no quimérico dos deltas é conjugação no indicativo presente.
O piuaiense de Parnaíba inventa mais um enigma geográfico em seu novo livro A borda do mar de Riatla (Editora Brigada Mandum Ladino, 2025). Cidade erguida entre o rio e o peso mitológico do mundo, como alude o topônimo, movido e evocado o autor pela distância e migração: “A saudade é sua memória”. E sabe e anuncia que de longe “o Tempo atravessará / a terra / e a terra em ânsia / será o rio novamente / a sangue-frio”.
E assim a latitude de mais uma cidade, a longitude de mais um sonho, as páginas de mais um belo livro com alveolismo de Gaugui na capa de edição em formato quadrângulo, como uma moldura que estampa a “imaginação / fecunda / de voar enterrado / no chão” e pontilha as cores anis das manhãs e os pinceis alaranjados das tardes.
Diego Mendes Sousa no chão anímico de Riatla refunda o tempo e o espaço, como disserta em Aprofundamentos, poema ali no meio da brochura, sol a pino de reflexão filosófica-existencial. Refunda “a água / pela sede” de procurar; “o nada / pela alquimia” de recriar; “a saudade / pelo estrangeiro” em pleno Planalto Central do país, onde os versos nasceram com o “banzo atordoado”.
O livro é um encantamento ao andar pela “cidade agarrada / aos sonhos marítimos / em suas ruas estreitas”. A água molha minhas retinas a cada página navegada que passo, seguindo o autor como “marujo embarcado no mar e no sol”.
Diego atravessa mares para afogar pesares; revisita em seus deltas o azul da infância; vislumbra na distância o cais - esse círculo da vida, chegada e partida de pedra e nuvem, onde tudo é memória.
Mas “Nunca se termina / o sublime desse rio”, mesmo regressando ao porto e sua história, onde acenam "a amabilíssima avó Maria" e os "prepostos fantasistas". Aprende-se na navegação que “terminar não rima / com o oceânico”: a vida, o amor, a morte. E Diego cartografa esse sentimento e dimensão com a airosidade de uma escrita pulsante com o barulho do mar de Riatla que ouvimos.
Terminei a leitura e continuei pela cidade.
Essa é a grandeza da poesia: quando o poeta ausculta o coração do leitor, quando este cumplicia-se na “tristeza estremecida”, infiltra-se no “sono agônico” e delicia-se nos “verbos de viver”.
Em Riatla, o poeta, eu, tu e eles, “éramos nós que / passávamos e / não o tempo”.
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