Foto: Acervo Fundação José Saramago
Em 1978 José Saramago publicou o primeiro livro de crônica, o ótimo Objecto quase, em Portugal pela Moraes Editores. São seis narrativas curtas, mas intensas no seu estilo de fôlego em longos parágrafos. E caracteristicamente poéticas.
Saramago, em digressões, analogias e metáforas, disserta sobre o conceito de singularidade de uma queda, pois como diz na máxima de Marx e Engles, extraída de A Sagrada Família (1844), que usa como epígrafe, “Se o homem é formado pelas circunstâncias, é necessário formar as circunstâncias humanamente”. O escritor, portanto, de forma crítica e irônica, reflete as condições de causa e efeito do comportamento humano no aspecto sociopolítico e histórico.
“A cadeira começou a cair, a ir abaixo, a tombar, mas não, no rigor do termo, a desabar. Em sentido estrito, desabar significa caírem as abas a. Ora, de uma cadeira não se dirá que tem abas, e se as tiver, por exemplo, uns apoios laterais para os braços, dir-se-á que estão caindo os braços da cadeira e não que desabam”, começa o conto, não exatamente justificando, mas explicando o que pode acontecer com o utensílio além de servir para sentar-se. Ele pode voar mesmo sem ter abas, porque braços se alongam nas distâncias, sejam quais forem os motivos, as “circunstâncias formadas.”
Além do uso clássico, a cadeira vai além, “o que foi perfeito deixou de o ser, por razões em que as vontades não podem, mas que não seriam razões sem que os tempos as trouxessem", raciocina Saramago, pois uma “cadeira pertence, por natureza, a um simples sub-grupo ou ramo colateral”.
O conto é todo tão impressionantemente analítico, detalhista e aplicável a qualquer tempo e lugar, que “Enquanto vemos a cadeira cair, seria impossível não estarmos nós recebendo essa graça, pois espectadores da queda nada fazemos nem vamos fazer para a deter e assistimos juntos.”
E nesta absurda semelhança de espaço e circunstâncias com o debate eleitoral brasileiro, Saramago finaliza o conto: “Que me diz a este mês de Setembro? Há muito tempo que não tínhamos um tempo assim.”
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