segunda-feira, 30 de abril de 2018

o termo saudade

Há um ano que na parede da memória é o quadro que dói mais..

há um ano que ele está encantado com uma nova invenção...

Belchior em seu exílio voluntário em Passa Sete, RS, fotografado por Ingrid Trindade, 2013

aquela estrela é a dele...

Há um ano que a vida vento vela o levou daqui...

já é outra viagem

“Não me sigam que eu também estou perdido. Ou façam ou descubram o próprio caminho. Façam como eu, inventem. Ou melhor, não façam como eu, inventem. ”
- Belchior em entrevista ao jornalista Josué Mariano, em seu escritório, São Paulo, 2002.
Há um ano que ele inventou uma nova estação.

e eu não posso cantar como convém...



“Por onde passou, Belchior não deixou dissenso, conflito ou vergonha. Os embates moralistas em torno de sua renúncia à vida social vão continuar por muitos anos, mas a transfusão de seu sangue criativo irriga gerações diferentes de artistas e é impossível detê-la: alimenta tanto os anêmicos da realidade quanto os vampiros da transitoriedade. ”
- Jotabê Medeiros, jornalista, autor da biografia Belchior – Apenas um rapaz latino-americano.
O trecho, na segunda página da Apresentação, resume o pensamento e intenção do livro, que teve pesquisa iniciada logo após o desaparecimento do cantor.
Há um ano que seu sangue criativo continua irrigando gerações. Há um ano que ele não morreu.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

ah, se tu soubesses como sou tão carinhoso...

foto Luis Edgardi
Pixinguinha e Louis Armstrong, Palácio do Catete, RJ, 1957.
O dia em que o jazz e o choro se encontraram.

dia de choro

ilustração Elifas Andreato
Em fevereiro de 1973 Pixinguinha veste o seu melhor e mais engomado terno de linho branco, e de sua casa, em Inhaúma, zona norte do Rio de Janeiro, segue para o batizado do filho de um grande amigo, na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema.
Era pleno sábado de carnaval, mas o mestre atravessa a cidade entre alguns foliões, sereno e contente com o seu compromisso.
Já se aproximando o final da cerimônia, logo após a criança receber a água benta, Pixinguinha afrouxa a gravata, passa o lenço na testa... começa a passar mal. Em segundos cai, fulminado por um infarto.
A notícia se espalha rápido pelas ruas do bairro. Componentes da Banda Ipanema, que estavam próximos da igreja, tocam Carinhoso entre lágrimas e confetes, em um enredo improvisado de reverência.
O coração de todos batendo triste, os olhos chorando e seguindo o mestre pelas ruas de um outro carnaval.
Hoje é aniversário de nascimento de Pixinguinha, data escolhida para comemorar o Dia do Choro. Naquele sábado de 73, um dia de choro.

sábado, 21 de abril de 2018

a vida mais seca

O cinema brasileiro foi elevado a uma categoria semelhante à da literatura, que é a mais tradicional das formas de identidade da nossa cultura.”
O cineasta Nelson Pereira dos Santos, explicando sua eleição à Academia Brasileira de Letras, em 2006, ocupando a cadeira nº 7, na vaga deixada pelo embaixador Sérgio Corrêa da Costa, cujo patrono é Castro Alves. Foi o primeiro cineasta brasileiro a se tornar membro da Academia.

À época Nelson era autor de um único livro, Três vezes Rio, onde reúne os roteiros dos filmes Rio 40º, de 1954, sua estreia em longa, Rio Zona Norte, 1957, e O amuleto de Ogum, 1974. Entusiasmado com a "imortalidade", preparou uma série de livros com roteiros filmados...

O cineasta partiu agora há pouco para outros sets, aos 89 anos... O cinema em lágrimas. A tenda sem milagres. A vida mais seca.

E numa curiosa simetria do tempo, Nelson, antes de vestir o fardão, lançou o filme Brasília 18% exatamente no dia 21 de abril daquele ano, por ocasião do aniversário da Capital.

Foi seu último trabalho de ficção, e narra uma história de amor tendo como pano de fundo uma situação da política nacional. A porcentagem do título não se refere a algum acordo de propina, ou coisa parecida, e se fosse faria sentido, levando em conta a ambientação do enredo naqueles tempos de mensalão... O título remete à umidade relativa do ar, que no meio do ano, fica bastante abaixo do normal em Brasília.
E mais coincidência: foi 18º longa do cineasta.

foi traído e não traiu jamais...*

Óleo sobre tela de Leopoldino de Faria, do século 19, exposto no Museu Histórico Nacional, RJ, retratando a Resposta de Tiradentes à comutação da pena de morte dos Inconfidentes.

*verso de Exaltação à Tiradentes, de autoria de Mano Décio da Viola, Estanislau Silva e Penteado,1949.

Brasília, 58 anos

foto Rene Burri, 1960
Quando vim, se é que vim
de algum para outro lugar,
o mundo girava, alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta
de sítio algum a nenhum.
Quando vim da minha terra,
não vim, perdi-me no espaço,
na ilusão de ter saído.

- versos de A ilusão do migrante, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em Farewell, 1996

terça-feira, 17 de abril de 2018

no peito é pleno abril

Em 1972, depois que deu o carneiro, o cantor e compositor Ednardo seguiu em seu fusquinha para o Rio de Janeiro, com o corpo e a bagagem todo feliz na viagem.
Hoje ele completa 73 'abris' em seu coração.
Parabéns, caro trovador da geografia afetiva dos terrais cearenses.

o velho e o amor

"Tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não são os amores felizes, mas os contrariados."
Trecho de Memória de minhas putas tristes, belo e crepuscular romance de Gabriel Garcia Márquez.
Publicado em 2005, narra a história de um velho cronista que se apaixona por uma intocada garota adormecida.
Hoje, quatro anos que Gabriel partiu da aldeia Macondo.
Mais cem anos de solidão.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

as última luzes de Carlito

O ator e diretor Charles Chaplin tem em sua vasta filmografia obras que se tornaram clássicas. O circo, Em busca do ouro, O garoto, Luzes da cidade, Tempos modernos, O grande ditador, só para citar alguns, são títulos que se incorporam na própria história do cinema.
Mas é com Luzes da ribalta (Timelight) que Chaplin atinge o ponto alto da essência em sua rica cinematografia. O personagem Carlitos é o espelho e efígie do ser humano, com sua alegria, dores e esperança. O riso de Carlitos é a gargalhada da alma. A tristeza de Carlitos é a lágrima da alma. O abraço de Carlitos é o aconchego da alma.
Não à toa, o crítico francês Jean Mitry disse uma vez que com o mito Carlitos, o ator criou um estilo de mímica que se refere mais ao conteúdo do que ao comportamento.
Rodado em 1952, Luzes sedimenta essa definição. É o mais puro, original e, sobretudo, o mais profundamente pessoal filme de Charles Chaplin.
Ambientado em Londres no começo do século passado, às vésperas da I Guerra Mundial, a história conta a trajetória de um famoso palhaço, Calvero, uma espécie de Carlitos envelhecido, e em conflito com seu alcoolismo, com autoestima e outras encucações. Mesmo assim, salva uma bailarina amargurada, desiludida com sua arte, preste a cometer suicídio. Salva e lhe repõe a autoconfiança, fazendo-a voltar à dança. Uma relação amorosa começa a se delinear, a diferença de idade entre ambos assusta, e Calvero some, vivendo como um artista de rua. Ao voltar à ribalta, por insistência da bailarina, o palhaço sofre um infarto em cena, aos pés de sua protegida.
O filme é cheio de simbologia em todos os sentidos:
- O personagem Calvero é baseado no próprio pai de Chaplin, que faleceu vítima da bebida.
- A jovem bailarina é uma indisfarçável alusão à esposa e atriz Oona O’Neill, 36 anos mais nova, e uma menção declarada da preferência de Charles Chaplin por mulheres mais jovens. Oona e quatro de seus onze filhos estão no elenco, em papéis secundários.
- O cineasta não somente ambientou o enredo em sua terra natal como datou no mesmo ano, 1914, quando começou sua carreira circense na Inglaterra.
- Chamou para contracenar o seu arqui-inimigo da época do cinema mudo, Buster Keaton, como uma forma de “fazerem as pazes”, embora se diga que foi para subestimá-lo mesmo, fato que levantou suspeita pela afirmação do biógrafo de Keaton, que acusou Chaplin de ter cortado as melhores cenas entre os dois.
- Foi o último trabalho de Chaplin nos Estados Unidos, pois ao viajar para Londres para o lançamento, decide não retornar. Por suas posições políticas de esquerda, era visado pela direita do macarthismo, e diretamente perseguido pelo chefão do FBI, Edgar Hoover.
Depois de Luzes, Charles Chaplin dirige apenas dois filmes na Inglaterra, o irônico Um rei em Nova Iorque e o crepuscular “A condessa de Hong Kong”, onde faz apenas uma aparição, como mordomo, deixando o papel principal para Marlon Brando.
Chaplin apagou as luzes da ribalta, definitivamente, enquanto dormia, na noite de Natal de 1977. Hoje é aniversário de 129 anos de nascimento.