foto Enrique Borst
O eletrotango é uma ótima fusão de instrumentos tradicionais, como o bandoneon, com computadores e samplers, seja em temas remixados, em composições originais ou utilizando fragmentos de canções clássicas.
Eu adoro tango e ouço com prazer música eletrônica. Música eletrônica inteligente, não aquele bate-estaca pra moçada dançar com os miolos turbinados com exctase. A música eletrônica do Fluke, do Air, do St.Germain, do Erik Truffaz, do Nitin Sawhney, e outros que sabem dominar as picapes, os múltiplos recursos que as admiráveis engenhocas eletrônicas proporcionam em termos musicais. Vejam, aliás, ouçam o que os caras do BossaCucaNova fazem com a bossa nova e a cuca deles. Uma maravilha!
Com o tango, a novidade é na mesma proporção. Desde a aparição dos franco-argentinos do Gotan Project que o eletrotango é uma das melhores inovações surgidas no cenário musical do ano 2000 pra cá na chamada "word music", ou seja qual nome queiram rotular. Eu, como resisto à rótulos e bitolas, vou ouvindo o que faz meu coração dançar e o meu corpo ficar odara.
Fui assistir ontem a abertura do projeto "Ponte Aérea Portenha Eletrotango", no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui em Brasília. O grupo que abriu a programação foi o Tanghetto, que conheci há uns três anos em Buenos Aires. Liderado por Max Masri, que fica ali no meio do palco nos comandos eletrônicos, o Tanghetto foi formado em 2001 e o nome junta as palavras tango e ghetto inspirado nas pequeñas argentinas, que são comunidades de emigrantes argentinos no exterior. No caso deles, a inspiração partiu de uma viagem de Max a Alemanha. Afinal, o bandoneon é invenção de um músico alemão, Henrich Band, que pegou o sobrenome para batizar o instrumento.
O estímulo à atividade criadora não fica apenas no nome do grupo, está nas músicas, nos arranjos que eles fazem desconstruindo e reconstruindo a mais famosa expressão musical da Argentina. Como bem disse Carlos Libedinsky, do Narcotango, "o tango deixou de ser apenas uma lembrança do passado para ser uma linguagem atual, onde a música e a dança emergem com novas expressões."
Nos quatro discos do Tanghetto é forte essa idéia revivida do tango a partir das experiências entre os emigrados argentinos em outros países. É como se os portenhos refizessem o tango na melancolia da distância mixado com a alegria do retorno. Não por acaso, o primeiro cd chama-se "Emigrante", de 2003, que me lembro ter sido indicado para Grammy latino na categoria Melhor Álbum Instrumental. A faixa mais significativa desse disco, como se nela convergisse toda a proposta musical tanghetta, é a inspiradíssima e dançante "Alexanderplatz tango". O mesmo sentido está na recriação de "Englishman in New York", belíssima canção de Sting, de 1987, que no show os hermanos chamaram de "Bandoneon en New York".
Outra coisa que me marcou na apresentação foi o violoncelo do chinês Chao Xu. Os arranjos do moço deu uma surpreendente fusão de música asiática com as palhetas livres do fole do bandoneon. Os olhinhos puxados não estão ali à toa, contribuem muito bem para a proposta deles.
Os próximos três shows prometem noites ainda melhores: Otros Aires, Narcotango e San Telmo Lounge. Claro, ficaria mais completo se viessem o Gotan Project e o Bajofondo.