sexta-feira, 21 de novembro de 2025

de frente ao Índico

Foto: Alcance Editores, Moçambique

Felizes os homens
Que cantam o amor.
A eles a vontade do inexplicável
E a forma dúbia dos oceanos.
- Eduardo White, poeta moçambicano, um dos maiores de sua geração.
Publicado em seu primeiro livro, Amar sobre o Índico, 1984 (Editora AEMO, Maputo), o poema não tem título, está na página 64, ali no meio, navegando na imensidão de beleza poética. White, filho de português e inglesa, tinha 21 anos quando escreveu essa preciosidade.
O amor redentor, o erotismo lírico, os questionamentos existenciais, marcam a poesia desse observador dos mares, assim como os reflexos da colonização portuguesa, os conflitos políticos, a intensa guerra civil que massacrou seu país nos anos 70.
Com quase 20 livros publicados, nunca encontrei um exemplar no Brasil, desde quando existiam as livrarias, desde quando vasculho em sebos. É preciso importar, viajar, pedir a quem vem de lá depois dos oceanos. Ou navegar de outras formas, nos sites. Nos sítios. Fazer como ele disse: “Em mim não ambiciono nada em definitivo se não a magia de viajar”, do livro Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de ser Ave (1999).
Eduardo White morreu precocemente, em 2014, vitimado por meningite. Hoje ele faria 62 anos de frente ao Índico, cantando a vontade inexplicável do amor. 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

transcorrendo, transformando


De toda Bahia que lhe deu régua e compasso; de todo Brasil lindo e trigueiro que Ary aquarelou; de todos nós mulatos inzoneiros e a moça da cidade e a moça da favela com seu vestido rendado; todo mundo da Portela e do Salgueiro; de todos os caminhos dele pelo Brasil e pelo mundo com a turnê Tempo Rei, alargamos nossos corações naquele abraço de imensa gratidão!

Buda Nagô Gilberto Gil!

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

a beleza


Praticamente toda a obra de Claude Monet se caracteriza por pinturas que retratam paisagens. Era sua paixão o mundo lá fora do jeito que o impressionava por dentro.
E de tanto trabalhar horas e horas exposto ao sol dos verões, e em busca de claridade ao ar livre noutras estações do ano, o pintor contraiu catarata aos 67 anos.
Mas não parou de pintar, passou a usar cores fortes para senti-las, como o vermelho-carne. E continuou por mais de dez anos em frente ao cavalete, as cores das paisagens dilatando enquanto a escuridão chegava.
Aos 83 anos estava quase totalmente cego, sem ver por fora o que continuava mais aceso e vermelho em seu coração.
Hoje, 185 anos de nascimento do pintor que imprimiu a beleza.
Acima, reprodução de Impressão, nascer do sol, 1872. O amanhecer no porto Havre, região da Alta Normandia, França.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

descobrindo Manoel


Foto: Juan Esteves

para Manoel de Barros

Invento descobertas
no meio da escuridão.
Manoel diz que nos alimentamos
de escuros.
Quando tudo era nada.
Quando ainda somos nada.
Quando precisamos nos descobrir.
Manoel tem razão,
não:
Manoel tem coração,
sentado lá sob sua luz
em algum escuro do pantanal.
Manoel tem coração,
não:
Manoel tem razão,
inventando palavras
inventando descobertas.
Manoel de tão verdadeiro
é invenção minha
é descoberta minha.
- Do meu livro Poesia provisória, Editora Radiadora, 2019.
E Manoel descobriu meu poema um pouco antes de inventar de embora em 13 de novembro de 2014.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

a última quimera

Em 1912 Augusto dos Anjos lançou Eu, seu único livro, que reúne 58 poemas, todos em versos rimados e numa magnífica composição de decassílabos. Mas a publicação não agradou à crítica nem à classe conservadora. A literatura brasileira estava marcada pelas escolas simbolista e parnasiana.
O poeta paraibano usou a erudição como modelo formal, mas transgrediu no conteúdo, adotando uma linguagem com vocabulário científico para expor suas angústias existenciais. Sofrimento, pessimismo, tremores noturnos, podridão moral, morte, decomposição física, eram temas que não cabiam na elegância dos saraus de lirismo comedido.
Versos íntimos, seu poema mais conhecido, é no mesmo fôlego epígrafe e lápide de seus curtos e intensos 30 anos de vida com o coração cheio de pesares. Um soneto de insólita combinação paradoxal da finitude humana.
111 anos hoje de seu falecimento.
Poucos devem ter assistido ao seu enterro no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, em Leopoldina (MG). "Somente a Ingratidão – esta pantera – / Foi tua companheira inseparável! ”.
Foto: autor desconhecido, 1912, Acervo Biblioteca Brasiliana Guita, São Paulo.

 

quem me navega é o mar


 

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

ê bumba-iê-iê boi, ano que vem, mês que foi

“E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão”
- Trecho do poema Pessoal intransferível, de Torquato Neto, escrito um ano antes de ele apagar a luz em 10 de novembro de 1972, um dia depois de completar 28 anos.
Acima, um trecho da fala da artista plástica Anna Bella Geiger no documentário Torquato – Imagem da incompletude, de Danilo Carvalho e Guga Carvalho, 2019.
O título da postagem é um verso de Geleia geral, de Torquato, musicado por Gilberto Gil, gravado no disco Tropicália ou Panis et Circencis, 1968.

lágrima nordestina