segunda-feira, 30 de maio de 2022

uma noite de conversa


 foto Acervo Som Livre

- Arranja três fotografias 3x4, vai lá na UBC e procura o Jair Amorim.
Evaldo Gouveia ouviu a recomendação de um amigo em 1957, ao ver que ele não estava cuidando de seus direitos autorais. O compositor cearense já estava em São Paulo, para onde foi como um dos integrantes do Trio Nagô, algumas de suas músicas tocavam no rádio, como Deixe que ela se vá, parceria com Gilberto Ferraz, sucesso na voz de Nelson Gonçalves.
E lá foi o jovem Evaldo à sede da União Brasileira de Compositores, com as fotinhas no bolso do paletó.
Encontrou ‘seu’ Jair terminando um artigo para revista Radiolândia, que muito gentilmente pediu que Evaldo aguardasse um pouco para atendê-lo.
- Rapaz, você ainda não é sócio?! – apressou-se Jair, ao saber do que se tratava.
- Não, senhor.
- As fotografias, trouxe?
Evaldo entregou, preencheu a ficha de associado, regularizou sua situação de compositor, e antes de sair, revelou logo o seu desejo diante aquele já consagrado autor de canções nas vozes de Dircinha Batista, Dick Farney, entre outros.
- ‘Seu’ Jair, o maior prazer da minha vida seria fazer uma canção junto com o senhor.
Naquele mesmo dia, já no final da noite, pegaram o violão e nasceu a primeira composição da dupla, o bolero Conversa, gravado por Alaíde Costa, Maysa, Marilena Romero.
O resto é história. Evaldo Gouveia e Jair Amorim sedimentaram no cancioneiro brasileiro com beleza, simplicidade e criatividade, os temas mais característicos das desilusões amorosas e seus desdobramentos, assim como fez a sua maneira Lupícinio Rodrigues.
Os primeiros versos de Conversa prediziam os mais de 50 anos de sucesso da dupla: Veja você / o que esta noite aconteceu...
Ontem à noite dois anos que Evaldo partiu para outras serestas.
Hoje cinco anos e um mês que Belchior ficou encantado com uma nova invenção.
Dois grandes trovadores cearenses da canção brasileira.

domingo, 8 de maio de 2022

segundo domingo de maio


Poema da polonesa Wislawa Szymborska, escrito em 1967, publicado no livro Sto Pociech.

Inspirada pelas notícias que chegavam da bestialidade da guerra no sudeste asiático, a poeta escreve os mais belos e tocantes versos sobre o vínculo básico de amor e proteção, quando um ser sobrevive pelo outro.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

o desenhista dos sonhos


foto Rubens Venancio

Numa manhã de agosto do ano passado a equipe do documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B chegou ao escritório do arquiteto Campelo Costa, na avenida Santos Dumont, uma das vias centrais de um dos bairros históricos de Fortaleza, aldeia Aldeota. E como diz a emblemática canção de Ednardo, Terral, batemos na porta pra aperrear o sempre simpático Campelo, e nos contar as hilariantes histórias que ele viveu, presenciou e até provocou no mítico Bar do Anísio, espaço-gênese afetivo onde começou toda uma geração da música cearense, do pensamento, das inquietações e esperanças.

Campelo, com seu eterno ar de galã do cinema francês da década 60, nos recebeu com uma enorme mesa de café. As elegantes e simpáticas funcionárias, aproximavam-se dele, ajeitavam a gola da camisa, passavam uma escova em seus capelos brancos, e atenta uma dizia, “'Seu' Campelo, o senhor vai aparecer num filme, que chique."
Take 1, take 2, take 3 e tantos takes de Campelo desfiando histórias e delas soltando gargalhadas. De repente, o chão rústico do Bar do Anísio tomou o lugar do piso brilhante de seu escritório, tão forte e preciso cada detalhe de sua fala.
Ao final, me puxou para um lado e perguntou quantos tinham ali na equipe. Sentou-se a uma mesa com uma pilha pesada de dois livros de sua autoria, Crônicas de um sonho dos sonhos ou delírios vesiculares, de 2021, e Traços de um percurso artístico, desenhos artísticos a lápis, com ensaio de Roberto Galvão, lançado em 2018. Conversando sem parar, autografou exemplares para todos.
Quando já nos preparávamos para sair, perguntei-lhe como devo identificá-lo no filme, além de arquiteto. “Não, coloque somente desenhista. Sou um artista do desenho, na arquitetura e na vida, Venancio.”
E agora, neste começo de noite de uma terça-feira em que ainda choramos amigos que se foram no céu de abril (Carlos Emílio, Tarcísio Sardinha, Natalício Barroso, Luizinho Duarte), recebo a notícia que Campelo partiu, como se o mês passado não tivesse acabado. Como inacabada ficou agora a arquitetura de seus dias em nossas vidas.