segunda-feira, 30 de outubro de 2023

o nosso estrangelro


O antropólogo e etnólogo belga-francês Claude Lévi-Strauss, aquele que "detestou a Baía de Guanabara: pareceu-lhe uma boca banguela", segundo lembrava Caetano Veloso na música O estrangeiro, no disco homônimo de 1989, foi um grande pesquisador e entusiasta da história brasileira.

A citação do compositor baiano teve inspiração no livro Tristes trópicos, clássico lançado em 1955, um ensaio etnográfico romanceado, onde estão as bases do estruturalismo e da antropologia moderna. Em uma entrevista ao jornal O Globo em 2009, Caetano diz que “Lévi-Strauss pede desculpas por discordar de todos que acham o Rio bonito e declara que, para ele, a cidade não tem nenhum encanto e as proporções entre a baía e as rochas que a circundam (Pão de Açúcar, Corcovado, Urca e pedras menores) dão a impressão de uma boca desdentada: os promontórios seriam muito pequenos para o tamanho da baía”. O cantor e o antropólogo não se conheceram pessoalmente, mas este soube que um compositor brasileiro tinha citado a frase dele. “Ele apenas minimizou o aspecto negativo da observação, dizendo que tinha escrito aquilo fazia muito tempo”, recorda Caetano.
A obra de 500 páginas é um tratado sobre o processo civilizatório, um extraordinário relato com sinceras reflexões sobre a viagem que fizera ao Brasil nos anos 1930. Lévi-Strauss conviveu com os índios bororo, nambiquaras e cadiuéus nas matas amazônicas, observando os mitos e rituais, o que lhe deu a certeza de que não se tratavam de selvagens, e sim donos de uma lógica complexa e sofisticadas estruturas sociais, fazendo uma análise comparativa das religiões do velho e do novo mundo.
Com mais de 30 livros publicados, o antropólogo voltou ao Brasil no começo dos anos 80. Gostava do nosso carnaval, tinha especial predileção pela marchinha Mamãe eu quero, de Jararaca e Vicente Paiva, gravada por Carmen Miranda em 1937.
No período em que viveu aqui, Lévi-Strauss fotografou muito o dia a dia da nossa realidade, os costumes, as cidades e seu povo. Revelou-se nossa enorme gratidão, mesmo com a observação depreciativa em relação às elogiosas de Cole Porte e Paul Gauguin citadas na letra de Caetano.
Claude Lévi-Strauss faleceu a poucas semanas de completar 101 anos, na madrugada de 30 de outubro de 2009, em Paris. Sua morte foi anunciada quatro dias antes, como uma notícia antropológica para o futuro, fechando um século de passado.
Acima, Lévi-Strauss em seu escritório em São Paulo, 1935. Foto: Acervo Biblioteca Nelson Foot, Jundiaí, SP.

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