foto Canindé Soares/ABF
O escritor, poeta e dramaturgo Ariano Suassuna é em si um espetáculo. Fazer um documentário sobre ele, deve ser uma tarefa difícil: Ariano "rouba" o filme. Qualquer frase, qualquer depoimento, qualquer opinião, qualquer discurso é uma profunda reflexão sobre qualquer assunto que ele discorra, principalmente se a matéria em consideração for a cultura nordestina, e mais ainda se estamos falando sobre a nossa língua portuguesa, que ele defende de forma assumidamente radical. O cantor pernambucano Chico Science que o diga lá de onde estiver regando as glórias do movimento mangue-beat, pois a ele foi sugerido pelo mestre que o certo seria mesmo Chico Ciência.
O cineasta paraibano Marcus Vilar enfrentou essa difícil tarefa de filmar Ariano Suassuna. Pode até ser que o diretor nem assim considere, mas creio que não foi fácil deixar o filme acontecer com Ariano tomando conta dele. Tomando conta pelo seu brilho nas palavras, pela lucidez de sua oratória, pela inteligência e acuidade de suas opiniões e argumentos, pela graça e humor de suas colocações, pela pureza quase infantil naquele senhor octogenário, pelo amor que ele tem pela arte na sua mais sagrada essência, pelas histórias narradas entre a verdade e o que poderia ter sido. Ariano é autêntico, genuíno, legítimo. É autor de si, é personagem de si. É mítico e é real. É clássico e usual. É novo e é histórico. É um dom Quixote de Taperoá, cidade nos cafundós da Paraíba, que o acolheu menino nos anos 30. É um senhor dos castelos erguidos nas fábulas dos sertões nordestinos. É um sebastianista em que todos precisamos acreditar para salvar a miséria intelectual.
É um desafio fazer um filme a altura de um personagem tão luzidio e cativante. Marcus Vilar abarcou o projeto do documentário por longos quinze anos. Registrou eventos, aulas, palestras, fez entrevistas, perseguiu Ariano como foi possível de maneira impossível, captando imagens nas bitolas e novas mídias ao alcance da mão e da imaginação.
"O senhor do castelo", o filme, longa-metragem de 72 minutos, é uma homenagem sincera e carinhosa a esse grande brasileiro universal. Marcus Vilar não inova o gênero documentário, e nem seria essa a pretensão. O seu filme tem o mérito de consignar um patrimônio. E como trabalho, o filme tem o mérito de não se tornar óbvio, de não ser um manifesto evidente sobre um personagem incontestável, ou não. Para isso, destaco a montagem, assinada pelo diretor e por Carlos Carvalho, aliada a uma pontual e certeira trilha musical, que teve consultoria de Fernando Farias. Destaco a montagem porque o roteiro, que está bem elaborado, é o que deveria ser mesmo, que expõe a trajetória de vida de Ariano e sua sina, não necessariamente de forma cronológica, mas ao sabor das caminhadas pelo tempo. E melhor: não caiu na armadilha do recurso conhecido e repisado de entrevistas com terceiros. Ariano basta-se.
"O senhor do castelo" foi lançado ano passado em alguns festivais, e tem previsão de estréia para este ano no circuito em salas que se prezem a uma boa programação.