sexta-feira, 25 de agosto de 2023

paredes da memória



A cidade ontem era outra
foi crateús
quando volto crescido
(no expresso rápido do zé arteiro)
e procuro a asa que fui
na casa que foi:
fazer dessa casa
os mesmos tijolos de antes
(...)
A casa
sempre foi poema.
Cada dia,
um verso
cada filho,
poeta.
(...)
Se não trago o menino de volta,
alcanço o homem e sua revolta.

- Trechos de Trem da memória (Editora Radiadora, 2022)

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O livro concorre ao 65º Prêmio Jabuti, Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa 2023, IX Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa, Faro, Portugal, e Prêmio Literário Biblioteca Nacional.
À venda com o autor e pelo site www.radiadora.com.br


 

terça-feira, 22 de agosto de 2023

mais um nome da saudade

Foto: Arthur Granjeiro Gadelha


Em 2016, em visita ao set do longa A lenda do gato preto, de Clebio Viriato, em Maranguape, Ceará, o fotógrafo Marcello de Holanda fez uma das minhas melhores fotos ao lado de amigos. Conversando num intervalo da filmagem com o editor Rui Ferreira e o músico Nilton Fiore, não o percebi com a câmera nos observando.
Marcello clicou exatamente no momento em que nós três gargalhávamos sobre um fato em nossas vidas de cinema. Tanto quanto comedidamente nos observava, ele discretamente nos ouvia e com a lente aquinhoava e emoldurava a alegria de três amigos.
Essa é a magia da fotografia, eternizar o efêmero num clique. E Marcello, sempre extremamente atento e sensível, sabia que a fração do clique na câmera é o início da memória.
Não cabe aqui e agora postar essa imagem da tripla gargalhada naquela manhã de sábado. Estamos hoje todos imensamente tristes com sua partida, na juventude de seus 49 anos de talento, afeto e beleza.
A saudade agora tem mais um nome nestes últimos meses de tantas despedidas na cultura cearense.
Sem Marcello, a ausência petrificada em nosso peito, como os monólitos de sua Quixadá no sertão central.  

sábado, 19 de agosto de 2023

olhar



"Não há nada a dizer. Temos que ver, olhar. É tão difícil fazer isto.
Estamos acostumados a pensar, todo o tempo.
É um processo muito lento e demorado, aprender a olhar.
Um olhar que tenha um certo peso, um olhar que questione. Não há nada a dizer."

- Henri Cartier-Bresson
Hoje, Dia Mundial da Fotografia. A data foi escolhida em alusão à apresentação pública do Daguerreótipo, o antecessor das câmeras fotográficas, na Academia de Ciências da França, Paris, em 1839.
O olhar de Cartier-Bresson sobre os olhares no Moscow Circus, União Soviética, 1954.
 

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

era de Aquário


"Uma Exposição Aquariana: 3 Dias de Paz & Música", assim foi anunciado o maior evento da música popular, o Woodstock, de 15 a 17 de agosto de 1969, na cidade de Bethel, estado de Nova York.

Uma multidão de mais 400 mil com o dedo em V, cabelo ao vento, gente jovem reunida, e o cartaz de mais de trinta músicos... Jimi Hendrix, Janis Joplin, Richie Havens, Arlo Guthrie, Joan Baez, Santana, Creedence Clearwater Revival, The Who, Jefferson Airplane, Joe Cocker, Johnny Winter, Crosby, Stills, Nash & Young, entre outros
.
Muitos recusaram os convites, pelos mais variados motivos. Dos Beatles, dizem que John Lennon exigiu que tocasse com ele a Plastic Ono Band; Led Zeppelin achou que seria apenas mais uma banda se apresentando; o inocente empresário do Jethro Tull argumentou que teria muita droga e sexo; The Doors não foi porque falaram que Jim Morrison estava inseguro diante tanta gente; o filho de Bob Dylan adoeceu poucos dias antes...
Woodstock ficou marcado como um retrato comportamental, exemplificou a era hippie e a contracultura do final dos anos 1960 e começo de 70. E isso não é pouco.
Fotos: Henry Diltz (Jimi Hendrix) e Buck Uzzle (casal Nick Eccoline e Bobbi Kelly)

 

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

a última estação do menestrel


13 de julho de 2023. Dentro de um uber sigo com o cantor e compositor Eugênio Leandro para o Bar Estação Benfica, em Fortaleza. Uma quinta-feira, um pouco mais de 19h...
Sentamo-nos a uma mesa na esquina ali mesmo na calçada, onde o Estação já é num cruzamento de duas ruas no bairro que dá nome ao bar. Peço uma caipirinha, Eugênio uma cerveja. Chega o amigo compositor Raimundo Cassundé, ainda usando uma máscara da pandemia, que a todo instante desce paro o queixo e sobe de volta explicando ao Eugênio que lhe sugere numa pergunta: “Por que não tira logo essa máscara?”. “Eu tenho aqui duas cirurgias no coração, tenho comorbidade, tenho de ter cuidado”, diz, riscando o peito com o dedo pela camisa aberta entre dois botões.
E começamos a conversa. Literatura, música, política, vida... Ele pede um copo à garçonete para uma cerveja. Rejeita uns petiscos de berinjela com fatias de pão que Eugênio pedira."'Brigado, não gosto de berinjela, tem um gosto muito esquisito".
E do nada, ou de tudo, nem sempre se sabe por que alguns assuntos aparecem numa mesa de bar, Cassundé passa a falar dos bares ali do bairro. Fechou aquele, não existe mais aquele outro, e aquele perto da praça tá fraco. Foi a deixa pra eu elogiar uma composição dele que conheci através do vídeo publicado pela amiga em comum, Andréa Oliveira.
- Qual? - Pergunta, franzindo a testa para mim e Eugênio. Lembro que ele cantava em duo com Carú Lina.
- Ah, Nos bares do Benfica, esse é o título, justamente - E começa a cantarolar, fazendo percussão com os dedos numa caixinha de fósforo invisível:
“Quando eu me sinto down e nada justifica,
procuro um happy hour nos bares do Benfica...”
E vai me explicando cada verso, o que lhe inspirou, etc etc etc. Abstraí a música à capela e não conseguia parar de refletir, entre a admiração e o lamento, o quanto Raimundo Cassundé é um grande compositor na música cearense, o quanto ele é um de tantos por este Brasil afora, anônimos, sem reconhecimento, sem projeção.
Abstenho-me de considerações sobre o que levou Cassundé, o grande professor universitário que foi, além de grande artista, a chegar aos 73 anos como a sombra de um menestrel pelas ruas noturnas do Benfica. Ninguém sabe o que há por trás das canções. Meu olhar que o ouvia, só o admirava e o reverenciava.
13 de agosto de 2023, Dia dos Pais. Final de noite de um domingo. Leio na página do jornalista Nelson Augusto no Facebook, a notícia da morte de Cassundé. Procuro o vídeo para reencontrá-lo neste exato um mês depois. A simetria do tempo trazendo mais um heterônimo da saudade, mais uma ausência para se conviver nos bares do Benfica.
Acima, o vídeo. Na arqueologia virtual de um tempo recente, a poesia do compositor, a bela voz de Carú Lina, o violão de Rogério Lima, e a câmera casual do cantor e compositor Zé Rodrigues registrando um ensaio para show em tributo ao Cassundé, pelos seus 69 anos, em 2019, que aconteceu no Gentilândia Bar.

domingo, 13 de agosto de 2023

dias sem pai


A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
- Versos iniciais de Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta e cidadão, de Vinicius de Moraes, 1954.
O poeta ausculta meu coração órfão.

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

o homem plural

Foto: Arquivo Folha de São Paulo

“Ele canta, dança, é ator, diretor de teatro, dramaturgo, faz cinema, faz programas de televisão, escreve manifestos, dá aulas, inventa projetos de agitação cultural, é filósofo, é poeta, ama, é mestre em amizade. Um homem plural, mas como uma singularidade: em tudo que faz, ele é único.”
Trecho do texto de apresentação que Aderbal Freire-Filho escreveu na autobiografia de seu amigo Domingos de Oliveira (1936-2019), Minha vida no teatro (Editora Leya, 2010). E com certeza a recíproca é verdadeira e do coração. Domingos diria o mesmo e muito mais.
Em 2019 a jornalista e atriz Renata Caldas lançou o livro O romance-em-cena de Aderbal Freire-Filho (Editora Multifoco), uma preciosidade em 366 páginas, que a autora define como ensaio-reportagem, sobre o processo de criação do diretor. A partir de romances que ele adaptou para o palco, A mulher carioca aos 22 anos (1990), O que diz Molero (2003) e O púcaro búlgaro (2006), respectivamente de João de Minas, o português Dinis Machado, e Campos de Carvalho, o livro analisa o romance-em-cena não somente na obra de Aderbal Freite-Filho, como também dentro da evolução do teatro brasileiro.
O plural Aderbal, que “inventa projetos de agitação cultural”, criou e dirigiu, juntamente com o jornalista e publicitário Augusto Pontes (1935-2009), o I Festival de Música Popular Aqui no Canto, 1968, em Fortaleza, sua terra natal. Promovido pela Rádio Assunção Cearense, Diretório Acadêmico Escola de Arquitetura, Diretório Elvira Pinho, Arquidiocese de Fortaleza e Orgacine Estúdio, o evento revelou muitos letristas, compositores e cantores que se projetaram nacionalmente, alguns deles inseridos no que passou a se chamar Pessoal do Ceará, como Rodger Rogério, Ricardo Bezerra, Raimundo Fagner, Brandão, Wilson Cirino, Sergio Pinheiro, Lauro Benevides. A premiação para todos foi a gravação de um LP com as músicas concorrentes, pela Orgacine, hoje uma raridade nos sebos.
Falecido ontem aos 82 anos, Aderbal é múltiplo em trabalhos, singular em talento.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

o endemoniado pelo talento


Em 2006 o diretor estadunidense William Friedkin apresentou seu filme Bug (no Brasil, Possuídos) na mostra paralela Quinzena dos Realizadores, no Festival de Cannes. A história, protagonizada por Ashley Judd, conta os dias atribulados de uma garçonete que escapou do marido abusivo. Vivendo num hotel de beira de estrada, ela entra numa pior ao conhecer um veterano da Guerra do Golfo, obcecado por insetos. Misturando os gêneros terror, suspense e ficção científica, foi um dos filmes mais comentados do certame francês.
O jornalista Rodrigo Fonseca, de O Globo, escreveu que “Desde que 'O exorcista' (The exorcist), 1973, jogou uma maldição sobre o cineasta, descarrilhando uma carreira oscarizada por 'Operação França' (The french connection), 1971, o nome Friedkin é, constantemente, sinônimo de fracasso. No entanto, a 'bagaceira' história de amor entre uma garçonete e um ex-combatente traumatizado, pode devolver ao cineasta um prestígio há muito tempo perdido.”
Friedkin tem pelo menos três filmes bons nesse período de “fracassos” que o crítico menciona: O comboio do medo (Scorcerer), 1977, Parceiros da noite (Cruising), de 1980 e Viver e morrer em Los Angeles (To live and die in L.A.), de 1985. Em 1972, logo após o sucesso de Operação França, ele junta-se aos colegas Francis Coppola e Peter Bogdanovich e fundam a Director's Company, que não vai muito adiante. Friedkin era visto como o "menos talentoso".
Friedkin decidiu ser cineasta depois que assistiu ao clássico Cidadão Kane (Citizen Kane), de Orson Welles. Dirigiu vários programas para televisão antes de estrear no cinema com Good Times, em 1967, onde lançou a cantora e atriz Cher. E na sua filmografia de quase 30 títulos, teve a coragem de levar para a tela a comédia dramática com personagens homossexuais Os rapazes da banda (The boys in the band), o que não era muito comum na Hollywood de 1970. Voltou a abordar o tema no citado "Parceiros da noite. Mas Friedkin sempre será lembrado pelo clássico do terror sobrenatural O exorcista, que considero o filme mais assustador de todos os tempos.
Dois trabalhos recentes sobre o cineasta revelam suas qualidades e as motivações internas para dirigir filmes: a autobiografia The Friedkin Connection: A Memoir, lançada em 2013, onde de uma forma admiravelmente honesta conta sua saga no cinema, e o documentário Leap of Faith : William Friedkin on The Exorcist, de Alexandre O. Philippe, 2019, um ensaio cinematográfico lírico e espiritual sobre o seu filme mais famoso, explorando as profundezas da mente do diretor, as nuances do processo de filmagem e os mistérios da fé e do destino que moldaram sua vida e filmografia.
William Friedkin faleceu hoje, aos 87 anos. Seu último filme, The Caine Mutiny Court-Mar, um típico drama de tribunal, está previsto para estrear no Festival de Veneza, no final deste mês.
Dentro do esquema do cinemão industrial de Hollywood, William Friedkin não cometeu esses fracassos que apontam nem é o menos talentoso de sua geração.
Na foto, o diretor demonstrando um susto para Linda Blair no set de O exorcista. 

sábado, 5 de agosto de 2023

mais uma saudade

Ainda impactados com a partida de Rogerio Mesquita ontem, o sábado nesta madrugada levou o produtor de cinema Doug de Paula, amigo tão querido de todos.

O teatro e o cinema cearenses imensamente abatidos com essas perdas.
Nossos corações devastados
😥

 

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

uma saudade


 A saudade hoje tem mais um nome: Rogério Mesquita.

As artes cênicas têm mais uma saudade. O Grupo Bagaceira de Teatro tem mais uma saudade. Em cada cantinho da Casa da Esquina mais uma saudade. A vida cultural cearense tem mais uma saudade.
Esta sexta-feira nos partiu o fim de semana em começo de tantas saudades de você.
Valeu sua passagem pelos dias, pelas noites, pelos palcos, pelas ruas, pelos jardins.
Seu sorriso agora emoldurando sua ausência.
Tornamo-nos eternos no coração de quem nos quer bem.