terça-feira, 5 de maio de 2020

nada será como antes, amanhã

foto Biel Machado/Universo Produção
“Muito marcados, não seremos os mesmos. Todas as máscaras caíram e o Brasil surgiu nu e disforme, aleijado pelo colonialismo e pela escravidão, pela crueldade neoliberal, pela brutalidade devorando tudo. A Covid-19 apenas agrava a tragédia. Os corpos hoje se amontoam nos corredores dos hospitais e nas valas comuns dos cemitérios e se tornaram visíveis, mas antes milhões de corpos já fediam debaixo do tapete da classe dominante. Sobre as ruínas, o Brasil terá que reinventar-se. Tarefa para os mais jovens, nossa geração, depois de tantas lutas, não tem mais forças.

Eu mesmo acho que fiz o meu último filme, ‘Escravos de Jó’, não o melhor, mas o possível, falando da dor desse tempo.
Tenho um outro em andamento, mas dificilmente conseguirei terminá-lo.Todo o sistema de sustentação de cultura do país ruiu. Levaremos décadas para reconstruí-lo. Até lá, teremos oitenta ou noventa anos, se vivos ainda formos.
Digo tudo isso, mas guardo alguma força espiritual. Escreveremos poemas, romances, estudos. Resistiremos ao nosso modo. Há sempre alguma esperança guardada no fundo do baú.”
- Rosemberg Cariry, cineasta, escritor, em uma conversa que tivemos hoje, quando comentei, perplexo diante toda a pandemia e o desastre político em que vivemos, “como sairemos dessa, meu caro?”.
Sua reflexão é cruelmente lúcida, verdadeira, oportuna. Mas não é distópica. Resistiremos, sim, de algum modo ao nosso modo, resistiremos.

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