Fotos: Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP
Em 1943 o poeta Mário da Silva Brito, estudioso do modernismo na literatura brasileira, foi à residência de Mário de Andrade, força motriz por trás da Semana de Arte Moderna de 1922, entrevistá-lo para o jornal Diário de São Paulo.
“Decididamente cometi uma imprudência indo procurar Mário de Andrade para uma entrevista. É que ele, há já algum tempo, anda enfermo, necessitando de repouso e tranquilidade”, escreveu na abertura da matéria. Mas, uma vez lá, iniciou a entrevista e fez de tudo para ser rápido. Com Mário de Andrade nada era pouca coisa. No ambiente acolhedor da sua sala, rodeados por quadros de Portinari, de Segall e de Tarsila do Amaral, o autor de Macunaíma foi intenso.
Quando se levantou para agradecer, Silva Brito ouviu as batidas do relógio já tarde da noite. Saiu pensativo pelas ruas ainda seguras da capital paulista, totalmente embevecido com as horas de conversa com seu mestre.
“A entrevista foi desordenada. Cheia de interrupções, de saltos. De pulos de um assunto pra outro. Um mundo de conhecimento”, disse na primeira parte do texto. ”Muitas coisas para ver e aprender”, confessou o poeta. Mesmo “desordenada”, a conversa mostrou a Silva Brito um intelectual extremamente organizado, que trabalhava com método. Mário de Andrade sabia de tudo, conhecia tudo, pesquisava tudo.
“Aqui estão as fichas sobre Catimbó. Estas são de assuntos musicais. Aqui pintura. Crítica. Folclore...”, e foi apresentando as pastas ao seu xará, de olhos arregalados. Silva Brito folheou o fichário sobre zoofonia. Soube naquele dia que se trata do estudo sobre as vozes dos pássaros. Ouviu do anfitrião a explicação detalhada dos nomes onomatopaicos Bem-te-vi, Tico-tico...
Mário de Andrade guardou o fichário aviário dizendo: “São estudos fascinantes. Sobre qualquer aspecto se pode estudar. Até do sexual.”. E saltou para outro fichário.
O encontro, onde se falou de pássaros, literatura e inesperados, está reproduzido no livro “Entrevistas e depoimentos: Mário de Andrade”, organizado por Telê Porto Ancona Lopez, da TAQ Editora Ltda, 1983.
Relendo recentemente o exemplar, depois de uma conversa com o amigo e leitor compulsivo Galileu Viana, um trecho que à época sublinhei, me lembrou a ligação que fiz entre os Mários. O jovem poeta pergunta:
- Tem feito alguma poesia, Mário?
- Poesia não se faz. Ela vem.
Mário de Silva Brito, falecido em 2008, aos 91 anos, na sua excelência de escrita poética, considero um exímio em poemas curtos. O que se lê não apenas do dístico em diante, mas apenas numa linha, é arrebatador. E a resposta de Mário de Andrade me remeteu a um poema que está no livro que Silva Brito lançou em 1978, Suíte em dor maior:
Uni-verso 2
A tempestade é em mim.
Nos grandes poetas as tempestades vêm sempre porque neles estão.
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