- João, de onde você tirou esse “vento leste”?
- Ah, Luiz, de noite eu liguei o rádio na Hora do Brasil e ouvi: ‘aviso aos navegantes: vento leste soprando pra sudoeste’.
O diálogo foi entre os cantores e compositores, o maranhense João do Vale e o pernambucano Luiz Vieira, autores da clássica Na asa do vento, de 1956, gravada inicialmente por Dolores Duran.
Esse e muitos outros 'causos' de parcerias estão no livro MPBambas – Histórias e memórias da canção brasileira – Vol. 2, de Tarik de Souza, Editora Kuarup, lançado em 2016.
João do Vale, de origem simples e semianalfabeto, muito espirituoso achava que tinha que colocar umas 'palavras difíceis' para impressionar em suas composições. E tudo fazia sentido. “A simplicidade é o último grau da sofisticação”, como dizia Leonardo Da Vinci.
Na asa do vento é uma das mais conhecidas do repertório de Luiz Vieira, gravada no LP homônimo de 1978, juntamente com Menino de Braçanã (com Arnaldo Passos) e Prelúdio pra ninar gente grande (sempre lembrada como Menino passarinho).
João do Vale, que também gravou no disco de 1981, sempre dizia que “parceria com gente que já tem nome não é bom, não.” Ele se referia ao fato que desde da primeira composição feita com o pernambucano, Estrela miúda, em 1952, os locutores das rádios anunciavam “de Luiz Vieira”. “Até 1964 quase ninguém sabia que as minhas músicas eram minhas”, revelou numa entrevista para o encarte de um exemplar da Nova História da Música Popular Brasileira, coleção da Abril Cultural de 1977.
Nessa mesma publicação relata um episódio interessante. João do Vale trabalhava como pedreiro numa obra na rua Barão de Ipanema, no Rio, quando no rádio na casa vizinha tocava Estrela míuda na voz da cantora Marlene. O sorridente operário da construção e da poesia falou para o colega de trabalho:
- Tá ouvindo essa música?
- Tô. É a Marlene que tá cantando.
- E sabe quem é o autor? Sou eu.
O colega pedreiro nem piscou:
- Conversa, neguinho. Você tá é delirando. Faz mais massa aí, vai!
João do Vale faleceu em 1992, aos 72 anos, depois de mais de dez anos numa cadeira de rodas com fortes sequelas de locomoção e fala, consequentes de um derrame cerebral. Luiz Vieira “assubiu nos aros” em 2020, na manhã de 16 de janeiro, aos 91 anos.
A foto acima, de acervo familiar, foi utilizada na capa do livro O jovem João do Vale, ótima pesquisa de seu conterrâneo, o escritor e jornalista Wilson Marques. Lançada em 2013 pela Editora Nova Alexandria, a biografia narra a trajetória do compositor com foco em sua infância e juventude no povoado Lago da Onça, em Pedreiras, até largar tudo e partir para o Brasil dos contrastes e brincar no vento leste.
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