sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

pense no Haiti


foto Juan Barreto/AFP

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

(Caetano Veloso e Gilberto Gil, disco "Tropicália 2", 1993)

4 comentários:

Selma Santiago disse...

Nirton, ando muito triste com o que aconteceu com o Haiti, um país tão sofrido, um povo historicamente sofrido, com guerras, política, e agora uma catástrofe dessa. Os paises ricos têm o dever de se mobilizar pra ajudar, reconstruir.

Nirton Venancio disse...

Tomara que os chamados países ricos estejam presentes para a reconstrução do país. Quando a situação é de interesse político, principalmente na América Latina, a presença é certa...

ARMANDO MAYNARD disse...

Que nós brasileiros, comovidos neste momento pela grande tragédia que se abateu sobre 'nossos irmãos' haitianos, não esqueçamos de nossos desfavorecidos, que vivem aqui nesse "terremoto" de desmandos e corrupção, com políticos cínicos e irresponsáveis, a usurparem o dinheiro público, privando nosso pobre povo de uma melhor educação, saúde, habitação, transporte... Nós temos também nosso Haiti. Caro Nirton, quanto a película, só você poder olhar e pegar. Fotos como aquela, já, já, irão fazer parte de museu. Um abraço, Armando.

Nirton Venancio disse...

Temos mesmo nosso Haiti, como bem diz a letra do Caetano. Que não esqueçamos de todos os haitis pelo mundo...

Quanto a película é uma realidade que temos que aceitar sua ida para o museu...