Ilustração: Guilherme Samora, 2013.
Um dos maiores desejos da cantora Rita Lee quando criança era se encontrar com Peter Pan. Aliás, queria que o rapazinho que se recusava a crescer viesse lhe buscar, assumi-la e sumirem, tirá-la daquela vidinha sossegada ainda nada mutante.
E eis que em uma noite, do terraço do casarão onde morava em São Paulo, a ovelhinha negrinha da família avistou Peter no céu! A menina gritava eufórica. O pai apareceu esbaforido, preocupado:
- Peter Pan! Peter Pan! Eu vi o Peter Pan!
- Onde?
- Logo ali no céu, pai!
- Me conta como era.
- Três luzinhas.
- Ok. De que cor?
- Coloridas.
- O que elas faziam?
- Uma dancinha.
- Ok. Como era essa dancinha?
- Mudavam de lugar uma com a outra.
- O que aconteceu depois?
- Sumiram de repente. Juro que eu vi, pai. Não é mentira!
- Rita, eu acredito em você e vou lhe contar uma verdade: Papai Noel, coelho da Páscoa, Deus e o diabo, céu e inferno, essas bobagens não existem, quem compra os presentes é sua mãe. O que você viu não foi o Peter Pan. Você viu um disco voador, minha filha!
Essa história Rita contou em Uma autobiografia (Editora Globo S.A., 2016).
Ela dizia, com sua graça e irreverência, que nascer no dia 31 de dezembro “é sacanagem”, pois levava um ano inteiro literalmente nas costas para no dia do aniversário ficar ouvindo logo cedo “hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser, quem vier”. E lembra que quando criança, para compensar se consolava repetindo o ditado “os últimos serão os primeiros”. Consolo que logo se desfazia quando um primo chato dizia: “Sim, os primeiros a chegar por último!”.
Essa é a Rita Lee de quem sempre lembraremos, com seu humor gostosamente debochado, em tudo na vida. Desde quando ela apareceu na música tornou-se a mais completa tradução do Brasil além de Sampa. A deselegância discreta, ou indiscreta elegância, de nossas meninas. Muita coisa boa passou a acontecer em nosso coração nos cruzamentos de todas as avenidas do Brasil. E assim como Drummond dizia que "sem discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de vinte anos presas ao tronco de uma especial escravidão", atribuo à cantora as palavras do poeta, e com saudade parafraseio que "toda mulher é meio Rita Lee”.
Uma sacanagem você partir em qualquer dia do ano, Rita para sempre Lee. Mas lá dos céus do seu terraço, nos discos voadores você pisca as três luzinhas coloridas com seu Peter Pan.
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