fotos Rubens Venâncio
- O que é que eu estou fazendo nesse filme se eu não toco nenhum instrumento, não canto nem sou compositor? - perguntou-me Gerardo Barbosa quando o convidei para uma entrevista para Pessoal do Ceará - Lado A Lado B. E antes que eu justificasse sua presença no documentário, ele me enviou uma mensagem pelo WhatsApp dizendo que “gosto muito de ouvir música”, “tentei estudar piano com professora particular, dona Branca Rangel”, “tentei estudar violino no conservatório Alberto Nepomuceno”, e que, entre diversos itens que configuram uma pauta para nossa conversa, considera que o que se chamou Pessoal do Ceará “é mais do que do Ceará”.
Mas a razão principal que me motivou o convite quando elaborava o projeto do filme, é que Gerardo Barbosa é o autor das fotos das capas de dois discos emblemáticos lançados logo após o seminal álbum Pessoal do Ceará – Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem, de 1973: os primeiros de Ednardo, Romance do Pavão Mysterioso, 1974, e de Rodger e Teti, Chão sagrado, 1975.
Gerardo morava em São Paulo com os conterrâneos e, apesar de ainda hoje não se considerar fotógrafo, “pelo menos profissional”, ressalta, foi naturalmente inserido no contexto quando eles preparavam os respectivos discos de estreia.
Durante a gravação da entrevista em seu aconchegante apartamento no bairro Praia de Iracema, em Fortaleza - “moro aqui há 40 anos e antes dava pra ver o mar de uma ponta a outra”, lamenta a muralha de prédios na extensão da varanda - Gerardo Barbosa contou os detalhes de cada foto, o tipo de filme fotográfico usado, a locação na sala com Ednardo sentado numa rede e a luz natural vinda da janela, as imagens sépias de Rodger e Teti feitas na USP, “mas não gosto de como colocaram”, diz, apontando que a foto da cantora está desproporcional lado a lado na capa do disco.
Mais do que o depoimento de um fotógrafo, Gerardo fez reflexões pertinentes sobre o que documentário discute: “O Pessoal do Ceará que foi só do Ceará foram aqueles das décadas 40, 50, os compositores, cantores, conjuntos vocais, a época de ouro da Ceará Rádio Clube que formava e empregava os músicos”. Mostrando o LP Ceará Terra da Luz, de 1965, afirma que “este, sim, foi o primeiro disco sobre o Pessoal do Ceará”, e disserta mais sobre sua tese, até chegar em 1971, 1972, e a ida de Ednardo, Fagner, Belchior, Jorge Mello, Ricardo Bezerra, e tantos outros, para o sudeste e a importância, claro, do álbum de 1973.
Entre várias preciosidades que Gerardo Barbosa mostrou e cedeu para o filme, como fotos da década de 70 de Ednardo, Rodger, Teti, Manassés, Edson Távora, estão gravações em fitas K-7 feitas no andar superior da Loja Vox discos, de propriedade de seu pai. Ali aquela turma de cantores e compositores ia para ouvir as novidades fonográficas. Na mesma radiola que escutavam os lançamentos da Bossa Nova, de jazz, tocaram poucos anos depois os discos dos cearenses. Eu mesmo, um anônimo adolescente admirador de todos eles, comprei os meus vinis lá.
Desenvolvendo o raciocínio de Gerardo Barbosa, o Pessoal do Ceará vem bem antes do Pessoal do Ceará. Eles são muitos, além de músicos, arquitetos, físicos, fotógrafos... todos sabem voar, e têm muitas histórias para contar.
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