sábado, 25 de julho de 2020

a mais alta patente do samba

foto Joaquim Corrêa, 2015
Na noite de 25 de junho de 2015 Nelson Sargento entrou no palco do Teatro da Caixa Cultural, em Brasília, após a abertura instrumental do grupo Galo Preto. Pequeno, franzino, com passos vagarosos, mas firmes, o compositor, com a elegância suprema da simplicidade, levantou a plateia em aplausos.
E começou a cantar, como cantasse em particular para o coração imantado de cada presente. E sambou em passos minimalistas, como dançasse para cada um de nós, ali com vontade de subir o palco. E contou a história de cada composição, de suas parcerias com Cartola, Guilherme Brito, Carlos Cachaça, como nos contasse doces segredos balançando a cadeira de vime na varanda. E falou de Evonete, sua esposa e musa de muitas sambas, que apareceu no palco para lhe servir água geladinha, como falasse da pessoa que amamos e estivesse iluminada em nossa frente. E falou como conheceu Paulinho da Viola, como traduzindo o bem-querer daquele que é um rio de canções sempre passando em nossas vidas. E falou de sua Mangueira Estação Primeira, da qual é Presidente de Honra, como que nos convidando para cantar um samba-enredo que é ele próprio. E falou de seu time, Vasco da Gama, que fez vibrar até aqueles que torcem por outras cores do outro lado do jogo.

No meio do show, Nelson agradeceu a presença de todos. Agradeceu aos músicos que o acompanhavam, ao cantor Pedro Miranda, com quem dividiu o repertório. Todos o reverenciaram com olhares que se derramaram diante aquela entidade, um Buda nagô nascido da beleza da nação negra brasileira.
Sempre simpático, cativantemente espirituoso, Nelson Sargento falou das comemorações de seu aniversário no ano anterior, e que estava firme, forte e sambando para os 91 anos naquele próximo 25 de julho.
Sincero e generoso, lembrou que o maior presente que recebeu como celebração pelas nove décadas de vida foi a produção do show Nelson Sargento, 90 Anos de Samba e a turnê que então seguia pelo país: "é muito bom receber as flores em vida", disse, fazendo a plateia novamente se levantar e aplaudir, comovida.
O sambista parafraseou de forma inversa o seu xará Nelson Cavaquinho, que lamentava na canção Quando eu me chamar saudade, não precisar "homenagear fazendo de ouro um violão" depois que fosse embora, preferia "as flores em vida / o carinho, a mão amiga".
Diante tanta mediocridade midiática da música que assola este país, agora mais que antes afundando em desencanto, é gratificante ter visto um artista do porte, da importância de Nelson Sargento, fazendo show, lúcido e brincalhão, lançando livro de biografia no hall do Teatro, acessível, autografando, tirando fotos e conversando com todos, como foi naquela noite.
E eis que o compositor chega hoje aos 96 anos, firme, forte e sambando tão longe tão perto mesmo que seja numa Live.

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