Rebobinando a fita lá para começo da história:
- a comédia musical de Hawks é baseada num grande sucesso da Broadway de 1949, que por sua vez partiu do romance homônimo da irreverente escritora norte-americana Anita Loos, de 1925. E o livro foi publicado originalmente em capítulos na revista Harper’s Bazaar, onde Loos escrevia regularmente. A escritora, morena, inspirou-se para os relatos, críticos e analíticos, quando uma vez, viajando de trem de Nova York para Los Angeles, uma loiríssima jovem que a acompanhava despertava mais atenção dos homens em cada gesto que fizesse na cabine. O livro se estende e esmiúça o comportamento da sociedade guiada pelos valores do capitalismo. Há um trecho em que a personagem blonde diz: “Acho mesmo que os americanos são os melhores cavalheiros porque se alguém beijar sua mão é muito-muito agradável. Mas uma pulseira de diamantes e safiras é para sempre”.
Anita mais esperta que vingativa publicou na sequência, em 1928, Mas os homens se casam com as morenas, e para ambos deu o sintomático e certeiro subtítulo O revelador diário de uma dama profissional. Assim como primeiro, foi adaptado para o cinema em 1955, por Richard Sale, na continuação do sucesso do anterior, mas sem a mesma repercussão. Com Jane Russell, claro.
Ainda na era do cinema mudo, Os homens preferem as loiras foi levado ao cinema, com direção de Mal St. Clair. Negativos e cópias sumiram, e na história de Hollywood esse filme nunca existiu. Sabe-se lá o que aconteceu, quais os motivos. Ou podemos supor.
Voltando a fita para anos 50 e dando uma pausa:
- Na clássica versão com Monroe e Russell, pode-se imaginar o rebuliço que o livro revelador de Anita Loos e o lendário filme desaparecido causaram nos padrões conservadores da sociedade daquele começo de século. No enredo, enquanto a morena é atraída por homens de boa forma, atléticos, sem maiores exigências econômicas, a loira tem gosto declarado pelos diamantes, e consequentemente por homens que possam lhe favorecer os anseios de um casamento seguro.
Dando um play na fita:
- As atuações de Marilyn Monroe e Jane Russell são pontuações definitivas de perfis dentro da tecedura da história. Mesmo narrado em situações divertidas, com o humor típico das comédias dos anos 50 pós-guerra, o filme faz uma crítica sobre o caráter de seres mesquinhos, somíticos personagens de uma elite asséptica, dá uma sacudida nas posturas desacertadas de uma sociedade torpe, que ludibria os valores humanos.
Apertando o Fast Forward:
- E como preceitua a cartilha da cinematografia industrial hollywoodiana, tudo acaba bem, no clássico happy end: as personagens de Marilyn e Russell têm suas reflexões, o estratégico discurso sobre a objetivação do ser humano, da mulher como mercadoria, produto, artigo etc., etc., etc....
Convertendo o VHS em Blu-ray:
- No filme de Howard Hawks tudo coloridamente emoldurado com a sequência final do duplo casamento, ambas com seus respectivos amados, não deixando nenhuma suspeita de uma classe imperante e machista por trás da cordialidade da espuma de champanhe. Algo bobo e justificativo no subtexto como “os homens preferem loiras e morenas”.
Uma reflexão vintage em 4K:
- A postura transgressora da vida das atrizes Marilyn Monroe e Jane Russell, dentro da máquina hollywoodiana dominante e dopante, tem mais presença e sintonia com a conduta audaciosa da escritora Anita Loos do que com as personagens que interpretaram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário