sexta-feira, 19 de abril de 2019

O poeta


— papai o que é poeta?
os bagunceiros e arruaceiros filho!
uns sonhadores que rasgam dinheiro
desconcertam a linguagem

na lagoa no lugar do lambari
colocam um violino nadando
no céu o pampa verdejante
na planície o mar azulante
e na lapela um girassol gigante

dizem coisas inesperadas
inventam ritmos alucinantes
às vezes até sem rima
atropelam o alexandrino
contrariam as leis dos sentidos
mais confundem que esclarecem

abusam do mistério
nas suavidades e nas asperezas
da luz sob as transparências
e do vento desenhando com nuvens
formas inexatas de bichos

tornam coisas abstratas
em ideias concretas imprevisíveis

são capazes de transfigurar
qualquer lógica ou limite
para declarar o amor a paz
imprescindível e intransferível

e ao final ainda confessam
que o poema não serve para nada
assim como as auroras as utopias
o perfume das cigarras na hortelã
e a trilha das formigas cortadeiras
no jardim depois da chuva

– papai quando crescer
posso ser poeta?

Do livro O unicórnio do sul e outras lendas poéticas, de José Couto, publicado pela Autografia Editora, RS, 2018, com ilustrações de Luíza Maciel Nogueira.
O lirismo dos poemas e desenhos resgatam a beleza urgente e necessária das lendas, estórias, do lúdico para todas as idades, como encanto e reflexão na contramão desses tempos ditos pós-modernos, do adestramento tecnológico, do fast food dos afetos.
* Os autores dedicam o poema ao amigo, poeta, letrista e escritor mineiro Wander Porto.

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