foto Walter Firmo, 1975
Ô Antonico,
vou lhe pedir um favor
que só depende da sua boa vontade:
É necessário uma viração pro Nestor
que está vivendo em grande dificuldade.
Ele está mesmo dançando na corda bamba
ele é aquele que na escola de samba
toca cuíca, toca surdo e tamborim
faça por ele como se fosse por mim.
Até muamba já fizeram pro rapaz
porque no samba ninguém faz o que ele faz
mas hei de vê-lo bem feliz, se Deus quiser
e agradeço pelo que você fizer.
- Samba Antonico, de Ismael Silva, 1950.
O compositor niteroiense, criado desde criança no bairro Estácio de Sá, Rio de Janeiro, sempre desconversou quando lhe perguntavam se a letra é autobiográfica.
Na verdade, Ismael, que faleceu em 1978 aos 72 anos, passou sérias dificuldades financeiras por quase vinte anos, no anonimato. Até 1930, vivia bem, vendia seus sambas para Francisco Alves e Mário Reis, várias parcerias com Noel Rosa, além de ser gravado por Silvio Caldas, Carmen Miranda e Aurora Miranda. Criou, a partir de um bloco carnavalesco no Estácio, a primeira escola de samba carioca, a Deixa Falar, em 1928. O rompimento com Chico Alves, a morte de dois grandes amigos parceiros de boemia e composições, desilusões amorosas, a prisão em flagrante, por três anos, por tentativa de homicídio, deixaram Ismael pra baixo. Ao sair da cadeia, vai morar de favor na casa da irmã e se isola da vida artística.
Somente em 1950 Ismael levanta-se, procura os antigos companheiros de música. Antonico é a primeira composição dessa fase de retorno. Por isso, nos versos os contornos de uma situação a procura de trabalho. Muitos historiadores registram que Pixinguinha, por volta de 1939, ao ver o estado de penúria do colega, escreve uma carta ao amigo musicólogo Mozart de Araújo, relata as qualidades como sambista e finaliza dizendo “Espero que o que puder fazer pelo Ismael seja como se fosse por mim.”
O autor grava a música em 1953, mas foi graças à interpretação do cantor Alcides Gerardi, dois anos antes, que Antonico estoura nas rádios e vende milhares de discos. E seguem dezenas de outras composições do sempre elegante Ismael, nos anos 50 e 60, nas vozes de famosos como Dolores Duran, Ataulfo Alves, Donga, Aracy de Almeida, no violão de Baden Powel, na flauta do missivista solidário Pixinguinha...
Ismael regrava sua emblemática composição em 1973. Foi nessa década que cantores como Chico Buarque, Caetano Veloso, Elza Soares, o grupo MPB-4, reverenciaram o compositor em shows, cantando seus sambas. É de Gal Costa a gravação mais conhecida de Antonico, no show Fa-tal - Gal a todo vapor, em 1971, no Teatro Ruth Escobar, São Paulo, que praticamente apresentou Ismael para as novas gerações.
Com ou sem o alter ego “Nestor” da letra, ou a boa vontade do “Antonico” na pessoa de Mozart, Ismael Silva deu a volta por cima porque desde que o samba é samba ninguém faz o que ele faz.
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